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sexta-feira, 4 de junho de 2010

Trânsito e bicicleta

Na última quarta-feira (2), a TV Pajuçara exibiu uma reportagem com o título “trânsito e bicicleta”, onde foi mostrado o uso da mesma na cidade de Maceió, além da pouca infraestrutura destinada à circulação deste ecológico meio de transporte.



Após a reportagem, no estúdio, foi entrevistada a Sra. Amália Vasconcelos, Gerente de Educação de Trânsito, do DETRAN/AL.



O assunto tratado na entrevista merece algumas considerações:

Ao que nos parece, os entrevistadores e a entrevistada buscam, por meio de um debate ao vivo, encontrar algumas soluções para os problemas de convívio entre bicicletas e automóveis, na maioria das vezes resultando em ferimentos e até mortes de ciclistas. Como é comum, tenta-se mostrar o ciclista como co-responsável pelas colisões das quais são vítimas.

A Sra. Amália garante que é preferível que o ciclista ande em fila indiana a andar em grupo. Isto é uma regra que está escrita no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em seu artigo 58, mas que não condiz com a realidade das ruas. Quem costuma usar a bicicleta no meio urbano já deve estar acostumado a viver sob constante perigo dos automóveis que insistem em passar muito próximos aos ciclistas, descumprindo outro artigo do CTB, que diz que os automóveis, ao ultrapassarem uma bicicleta, devem guardar a distância de 1,50m:

Art. 201. Deixar de guardar a distância lateral de um metro e cinqüenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta: Infração - média; Penalidade - multa.

O programa CQC já mostrou que esta é uma infração que os motoristas cometem diariamente, que coloca em risco a vida dos ciclistas, mas que não há registro de algum motorista que tenha sido multado por cometê-la.

A própria sinalização horizontal induz os motoristas a cometerem tal infração. Citemos, como exemplo, a Av. Comendador Leão, no bairro do Poço:

A largura da via é suficiente para acomodar 4 carros, dois em cada sentido. Não há espaço para uma bicicleta Quem costuma pedalar por essa via, sabe que a solução mais segura é a de ocupar o espaço de um carro. Quem buscar obedecer o artigo 58 do CTB, provavelmente será “enxotado” por algum motorista que ache que há espaço suficiente para dois carros + uma bicicleta. Portanto, neste caso, é mais interessante para a segurança do ciclista que ele ocupe o meio da faixa ou, caso esteja na presença de outros, ande em grupo.


Outro fato gerador de acidentes, segundo a Sra. Amália, é o ato dos ciclistas andarem “costurando” no trânsito. Imaginamos que ela se refira ao fato dos ciclistas tentarem achar “brechas” entre os carros. Essa é a grande vantagem de usar a bicicleta como meio de transporte: não ficar preso em congestionamentos. Como não há um espaço destinado aos ciclistas, como uma ciclofaixa, por exemplo, os mesmos precisam encontrar essas “brechas” para que seus deslocamentos não sejam prejudicados pelos congestionamentos gerados pelos automóveis. Como dica para os ciclistas, vale prestar atenção às portas que costumam abrir de repente ou às motocicletas, que costumam andar por esses corredores em alta velocidade.


Uma outra questão citada pelos motoristas, mas que não foi citada na entrevista, é que “os ciclistas costumam andar fazendo zigue-zague”. Só é capaz de fazer essa afirmação quem nunca pedalou. Os ciclistas não estão fazendo treinamento para trabalhar em circo. Os tais zigue-zagues feitos pelos ciclistas nada mais são do que uma tentativa de desviar dos inúmeros buracos e bueiros que costumam ficar na borda da via, justamente onde o CTB quer que o ciclista trafegue. A borda da via também é o local onde os ônibus costumam parar para embarque e desembarque de passageiros, havendo um constante conflito entre bicicletas e ônibus. Uma verdadeira covardia dado a diferença de tamanho dos dois veículos.

Ainda na entrevista, a Sra. Amália afirma que “o ciclista é considerado um automóvel de propulsão humana”. Não sabemos de onde ela tirou essa conclusão, pois o ciclista se assemelha muito mais a um pedestre do que a um veículo de mais de 1 tonelada que se desloca em velocidades mortíferas. Basta que o ciclista desmonte da bicicleta para se tornar um pedestre. Sua velocidade (de cerca de 20 km/h) é muito mais compatível com o convívio humano do que os 60 a 80 km/h que os automóveis costumam se deslocar na cidade. Comparar uma bicicleta a um automóvel demonstra um grande desconhecimento de proporções.

Seguindo a ideia da criminalização dos ciclistas ou, da co-responsabilidade pelos acidentes, o jornalista e vereador Oscar de Melo sugere que sejam feitas blitz ou que as bicicletas sejam emplacadas para que os ciclistas sejam obrigados a utilizar os equipamentos de segurança exigidos pelo CTB. Nada se comenta sobre uma possível limitação da velocidade dos automóveis em 30 km/h, como tem sido feito em várias ruas do Rio de Janeiro. Ao que parece, o problema não está naquele que atropela, e sim naquele que foi atropelado. Num atropelamento, a culpa não é do motorista que se deslocava em alta velocidade, mas do ciclista que não estava iluminado o suficiente para ser visto pelo motorista, a uma grande distância, que lhe permitisse frear seu veículo que se deslocava a mais de 60 km/h.

Chegamos à conclusão que para entender um problema em sua plenitude, é preciso vivenciá-lo. É louvável a vontade dos jornalistas e da Sra. Amália em achar soluções para humanizar o trânsito de Maceió. Porém, se quiserem entender de verdade o que passa um ciclista diariamente, experimentem ser um, pelo menos uma vez na vida. Uma coisa podemos garantir: vocês enxergarão a cidade com outros olhos.


PS: A respeito de outras “infrações” cometidas por ciclistas, como circular na contramão ou avançar o semáforo vermelho, deixaremos para uma outra postagem, para não nos alongarmos demais nesta.