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terça-feira, 29 de junho de 2010

Coletes refletivos

Por que os funcionários da SMTT utilizam coletes refletivos e/ou com cores chamativas quando estão trabalhando nas ruas?


Provavelmente, eles reconhecem os perigos que os veículos motorizados (deslocando-se em alta velocidade) lhes oferecem. Os coletes seriam uma forma de se destacarem, ou seja, serem vistos a uma longa distância que permita que o motorista que vem em alta velocidade tenha tempo de frear. Será então que todos os habitantes da cidade deveriam andar com roupas laranja, verde-limão ou com coletes refletivos?

Tratar-se-ia de uma ação em prol do motorista, onde quem tem que se cuidar é quem pode se machucar e não quem pode machucar. Fazendo uma comparação ordinária, é como dizer que todos têm que andar com um colete à prova de balas porque tem gente que anda armada. Muitos podem achar exagero a comparação, mas a diferença está na dimensão.

Recentemente, foi publicado, no sítio da Perkons, um artigo escrito por técnicos da SMTT, intitulado “Viva às igualdades no trânsito!”

Podemos notar que o texto já começa a tratar com desigualdade os ciclistas quando utilizam o termo “bicicleteiros”. Não existe essa distinção entre ciclistas e bicicleteiros. Eles não têm mais ou menos direito, devem ser mais ou menos respeitados de acordo com o motivo dos seus deslocamentos. Alegar que o ciclista foi atropelado porque não utilizava equipamentos de segurança ou porque não estava devidamente iluminado, como se fosse uma árvore de natal, é uma tentativa de transferir a culpa do atropelamento do motorista para o ciclista. A respeito das leis que as autoras falam no texto, dá para notar claramente que desconsideram as regras de trânsito destinadas aos veículos motorizados e, para piorar, aceitam esse descumprimento e, somente exigem dos ciclistas o respeito às leis.

Em mais uma comparação, tão ordinária quanto, há pessoas que dizem que deveria haver a lei “José da Penha” (em alusão à Lei Maria da Penha). O argumento mais comum é “o homem não pode bater na mulher, mas a mulher pode bater no homem”. A maioria das pessoas acha que as condições têm que ser iguais e não percebem que, para direitos iguais deve haver leis diferentes. E assim desconsideram a anatomia dos corpos de ambos e o passado e presente de repressão em que sofrem as mulheres. Quando se fala em consciência geral, vemos entre o carro e a bicicleta a mesma relação. Não se pensa muito criticamente sobre os dois veículos e, pelo fato de ambos serem veículos, vê-se assim a necessidade de igualá-los no trânsito, no sentido de cumprir deveres. É muito comum ouvir “olha como o ciclista anda, no meio da rua”. Mas não se pensa nunca o porquê do ciclista estar andando no meio da rua.

O texto ainda diz: “os motoristas têm uma percepção pequena das bicicletas na via pública. Estudos afirmam que os condutores de veículos só possuem uma visão completa e, automaticamente correta, daquilo que é compatível com seus próprios veículos em estatura.” Ora, essa afirmação só prova que quem deve tomar cuidado são os motoristas. Não devemos esquecer que a cidade não é composta apenas por bicicletas e carros, mas essencialmente por pessoas. Se os motoristas não conseguem perceber a presença das pessoas na cidade, se a velocidade não lhes permite ver que ali existe vida, quem deve ser expulso, gradativamente, da cidade são os carros, não as pessoas.

Com o domínio das ruas pelos carros, as pessoas tendem a abandoná-las. As mamães jamais deixariam seus filhos irem à escola de bicicleta, pois consideram o trânsito perigoso. Então, elas os levam bem protegidos dentro da armadura chamada carro. Não importa se esta armadura coloca em risco a vida das outras crianças, o que importa é que a dela está protegida. O vídeo SUV City satiriza com o que seria uma cidade construída exclusivamente para os SUV (sigla , em inglês, para Sport Utility Vehicle, ou veículo utilitário esportivo). Um dos motoristas é uma mamãe transportando seu filho de forma bastante "segura" dentro de um SUV.



As cidades que buscam estimular o uso da bicicleta como meio de transporte procuram também restringir o uso do automóvel, seja com a cobrança de pedágio urbano, altas taxas de estacionamento, oferta de um bom transporte público e um sistema viário que privilegie pedestres e ciclistas.

Os trabalhadores de Maceió que usam a bicicleta como meio de locomoção não o fazem porque estão preocupados em reduzir a poluição do ar ou o sedentarismo. Se lhes fosse dado um automóvel ou uma motocicleta (e o dinheiro suficiente para mantê-lo(a)), pode ter certeza que abandonariam a bicicleta. Os ciclistas não querem uma ciclovia que corte a cidade de Norte a Sul. O que os ciclistas querem é respeito no trânsito e um transporte público de qualidade, para que possam usar suas bicicletas por opção, e não por necessidade. Vale lembrar que a bicicleta é aconselhável para distâncias curtas, de até 6 ou 7 km, e não para distâncias olímpicas como as que são percorridas diariamente pelos ciclistas de nossa cidade.

Dizer simplesmente que o transporte de Maceió é ruim e que os ciclistas devem se proteger dos perigos do trânsito é assinar o nosso atestado de incapacidade. Daqui a pouco, entre as medidas para reduzir os acidentes, vamos dizer que os ciclistas, além do capacete e de toda iluminação da bicicleta, ao sair de casa, precisam rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria.


PS: Não temos a intenção de criticar ou menosprezar o trabalho dos técnicos, órgãos ou entidades competentes que compõem Sistema Nacional de Trânsito (SNT), tampouco outras entidades públicas. Temos sim intenção de mostrar a realidade pela ótica daqueles que sempre são esquecidos quando se discute a questão trânsito, e colocarmo-nos à disposição para contribuir na construção de um sistema justo e igualitário para todos os cidadãos.



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