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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

As crianças e a cidade


Assim como na Campanha da Fraternidade, cada ano, o Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN escolhe um tema para tratar na Semana Nacional do Trânsito, que normalmente engloba o 22 de setembro (Dia Mundial Sem Carro). O tema escolhido para esse ano foi “o cinto de segurança e a cadeirinha”. No mês passado, o Diretor Geral do DENATRAN esteve em Maceió tratando do assunto:



Alfredo Perez diz que “no mundo inteiro, o cinto de segurança continua sendo o principal fator para redução de vítimas fatais do trânsito”. É válida a preocupação do órgão nacional que trata do trânsito com a segurança dos ocupantes dos veículos. Porém, como lembra o repórter, a lei deixa algumas brechas para as crianças que serão transportadas em vans escolares e para todos os ocupantes dos ônibus urbanos. Entre a pergunta do repórter e a resposta do entrevistado, há um corte de edição em 2’12”, em que logo em seguida Perez diz que o assunto será debatido em audiência pública.

Vale lembrar outro ponto importante e que será o tema tratado nessa postagem: Segundo a jornalista Renata Falzoni, dos 35 mil brasileiros mortos todos os anos no trânsito, 82 % estavam fora do carro. Ou seja, se os ocupantes do veículo têm cinto de segurança. air-bag e todas as tecnologias para protegê-lo, o mesmo não acontece com aqueles que estão do lado de fora e que sofrem uma pancada violenta, na maioria das vezes fatal. Portanto, será que a campanha do DENATRAN não estaria enfocando o grupo errado? Será que não deveríamos começar a nos preocupar primeiro com a grande maioria que está fora do carro?


Quando os primeiros veículos automotores começaram a surgir nas cidades inglesas, em meados do século XIX, foi criada uma lei, chamada de Red Flag Act, que limitava a velocidade em 3,2 km/h e obrigava todo carro que quisesse circular a ter uma pessoa à frente abanando uma bandeira vermelha para avisar dos perigos de atropelamento. Parece algo cômico se compararmos com os dias atuais. Talvez algo não tão cômico, mas trágico, é o fato de aceitarmos que veículos possam se deslocar a 60 km/h (ou mais) em locais onde há pessoas vivendo.

A ideia de que o automóvel é o principal (senão o único) meio de transporte está incrustada na mente de boa parte dos brasileiros. Pensar em utilizar o ônibus ou a bicicleta em seus deslocamentos seria algo inimaginável. As propagandas de automóveis já conseguiram difundir a ideia (iniciada na década de 1950) de que todo cidadão tem que ter seu próprio carro para se deslocar. O imaginário popular vê o transporte coletivo e a bicicleta como alternativas àqueles que ainda não conseguiram dinheiro suficiente para comprar seu próprio carro. A imagem que segue reflete bem esse pensamento:


Muitas pessoas dizem precisar do carro para levar seu(s) filho(s) à escola. Quando este(s) completa(m) 18 anos, ganha(m) de presente o carro para adquir(em) sua “liberdade”. Enquanto no passado apenas o chefe da família tinha um carro (quando tinha!), hoje em dia, é comum vermos casas com cinco ou até seis carros na garagem. O reflexo disso no trânsito nós já conhecemos...

Mas será que é assim em todo lugar do mundo?


O vídeo abaixo mostra o horário de entrada da escola em uma cidade da Holanda:



A imagem abaixo mostra a porta de uma escola, na Holanda, em horário de aula:


A Lei 9.394/96, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, em seu artigo 4º, trata do que segue:

Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
X – vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade. (grifo nosso)

Sabemos que a educação pública em Alagoas não é boa e que não nos incomodamos de pagar imposto duas vezes para termos, de forma privada, aquilo que nos é garantido pela Constituição. Já que vamos pagar pela escola, não precisa ser perto de casa. Já que levaremos o filho de carro, pode ser em qualquer lugar da cidade! A lógica do automóvel permite isso: você pode morar em qualquer bairro, pode trabalhar em qualquer bairro, seu filho pode estudar em qualquer bairro... o automóvel resolve tudo! Ou seja, um problema puxa outro. Não resolvemos um, nem outro. Com nossas escolhas, nós mesmos criamos nossa dependência do automóvel.

Dessa forma, criamos uma cidade segregada, onde tudo se acessa por automóvel: a casa, o trabalho, a escola, o shopping center, tudo! Até para lanchar no Mc Donalds nós não saímos do carro. E aí abandonamos a cidade e depois nos queixamos que as ruas são desertas e violentas. Vivemos como na Idade Média, trancados em nossos castelos e fortalezas:


Fazemos questão de repetir o que foi dito sabiamente por Rogério Belda, ex-presidente da Associação Nacional dos Transportes Públicos – ANTP:



Também na postagem anterior, mostramos que, para a Prefeitura de Maceió, não existe diferenciação entre “rua tranquila” e “rua movimentada”. Para a SMTT, toda rua tranquila é um prato cheio para se transformar em espaço dos automóveis. Com isso, a rua deixa de ser um espaço de convívio e interação entre os moradores, além de um espaço de lazer para as crianças, e transforma-se em mero local de passagem (de carros).

Com isso, são cada vez mais escassos os espaços livres de lazer para as crianças. Cenas como a que segue abaixo ainda podem ser vistas em bairros periféricos:


Para as crianças das áreas centrais, resta apenas o Playstaion e o MSN, durante a semana, e a área fechada ao trânsito, na orla, ou o ar-condicionado do shopping center, nos finais de semana. Os círculos de amizade de nossos filhos estão cada vez menores e mais semelhantes à nossa própria classe social. A Revolução Francesa já nos mostrou os perigos dessa segregação de classes.


Não pretendemos convencê-lo(a) a, a partir de amanhã, dizer ao seu filho que ele terá que ir à escola de bicicleta. Queremos apenas lançar esta reflexão: compare a forma como transportamos nossas crianças e a forma como os holandeses transportam as suas. Na idade adulta, qual será a noção de mundo de uma criança brasileira e de uma holandesa?


Concluímos com o pronunciamento do urbanista dinamarquês Jan Gehl...



... e do engenheiro brasileiro Eduardo Vasconcellos sobre o assunto:




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