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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A Cidade das Curtas Viagens


* publicado no blog Pra lá e Pra cá

Há um ideal chamado “cidade compacta” que ronda o imaginário de boa parte dos urbanistas europeus. A cidade das curtas viagens é aquela onde seus moradores encontram o mais importante perto de casa. Oportunidades de trabalho, escola para seus filhos, o pequeno comércio local: tudo isso está localizado a uma distância possível de ser superada a pé, de bicicleta, de patins, de skate ou com qualquer outro meio de transporte, desde que não motorizado.

Esse tipo de cidade e de organização do cotidiano se opõe frontalmente à realidade das metrópoles brasileiras, que viram referência para muitas outras. No Brasil, as cidades transbordam à vontade para periferias distantes e sem as infraestruturas necessárias. Centros comerciais, hipermercados e shopping centers são inaugurados em regiões cada vez mais afastadas do centros. O tradicional comércio dos centros de bairro é lentamente exterminado, sem que ninguém reaja. O cotidiano de verdadeiras multidões é marcado pelas homéricas viagens entre pontos afastados, pelos desgastantes movimentos pendulares e pelo tempo perdido nos congestionamentos de veículos.

Mas os ventos já sopram em outra direção. Mesmo nos Estados Unidos – o país onde o insustentável modelo de crescimento suburbano mais avançou, com aqueles bairros projetados só para quem pode e quer ter carro – os imóveis dessas periferias perdem valor em comparação com as residências localizadas em bairros mais próximos aos centros.

Uma política urbana e de transportes inteligente traz benefícios muito além de apenas facilitar o deslocamento físico de pessoas. Isso nem sempre é comunicado de forma clara, mas um bom exemplo vem de Copenhague. A capital dinamarquesa não quer incentivar o uso de bicicletas e o pedestrianismo por pura implicância com o automóvel e nem apenas por motivos ambientais. Copenhague quer mais ciclistas e pedestres para promover a coesão social. A meta é aumentar em 20% o tempo gasto pelos cidadãos no espaço público. A pé ou de bicicleta, as pessoas interagem mais com a cidade, com as outras pessoas, usufruir melhor o que a cidade tem a oferecer. A Cidade das Curtas Viagens é socialmente inclusiva: ninguém fica de fora por não ter carro, por não ter condições de pagar uma tarifa.

Outro benefício não desprezível de uma política inteligente diz respeito à saúde pública. Alguns estudos já apontam para a incrível correlação entre a realização de viagens motorizadas, a falta de exercício físico e a incidência de obesidade. Na cidade compacta, a academia de ginástica é a própria cidade. O Brasil oferece condições climáticas bastante favoráveis para uma conversa com o vizinho a céu aberto, para um passeio ou uma corrida pelas ruas. (Não é como na Alemanha, onde já em meados de outubro, as temperaturas começaram a bater zero grau...) No entanto, esse potencial é desperdiçado pelo desserviço diretamente prestado ou, no mínimo, tolerado pelo poder público e pelo modo como o espaço urbano brasileiro é organizado.

Por fim, a cidade compacta traz benefícios para o clima. Para reduzir as emissões de carbono e de gases do efeito estufa de forma permanente, a cidade compacta é um modelo mais atrativo do que “comunidades sustentáveis” em áreas mais afastadas, mas que, no fundo, continuam dependentes do transporte rodoviário tanto para o deslocamento de pessoas como de mercadorias.

Reorientar o desenvolvimento das cidades conforme esses princípios produz sinergias muito positivas para o meio ambiente urbano: as pessoas ganham, a cidade ganha, o clima ganha. Mas o desafio para por em prática a Cidade das Curtas Viagens é enorme. Além de infra-estruturas, como calçadas e ciclovias, é preciso oferecer um espaço público agradável e seguro. Isso implica investimentos em um mobiliário urbano que corresponda aos anseios dos moradores e em novos espaços públicos. Os aparentes altos custos do projeto se pagam pelos ganhos em termos de contatos pessoais, de vitalidade e de identidade da cidade ou do bairro com seus cidadãos. Em comparação com grandes obras viárias, o custo é risível e os benefícios são de proporções imensuráveis.

Promover a qualidade de vida a partir de um projeto de cidade mais compacta e mais agradável a ciclistas e pedestres. Pena que essa visão não passa de uma miragem perto do que a maioria das pessoas e os tomadores de decisão no Brasil entende o que seria uma cidade “moderna”.


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