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quarta-feira, 16 de março de 2011

Geni

Artigo publicado por Cezar Zillig, no Jornal de Santa Catarina:

Geni

CEZAR ZILLIG
cezar.zillig@santa.com.br

Com a angústia decorrente do trânsito lento, espesso, engarrafado, com as controversas medidas tomadas para aliviar o caos das ruas – algumas bizarras, como as “ciclofaixas” pra cima de pedestres – corredores de ônibus etc., virou moda demonizar o automóvel. Agora é “in” criticar automóvel, insinuar que motoristas sejam todos animados por egoístas interesses burgueses etc. Falar mal de automóvel confere uma imagem de atualização, altruísmo, esclarecimento. O automóvel – e seus usuários – corporificam a Geni da vez em que todos querem atirar caca.

É óbvio que o excesso de veículos nas ruas é um problema. Qualquer um enxerga isto. Reconhecer consequências é fácil; mais difícil é identificar causas.

A situação é mais grave do que parece e as consequências mais extensas. A sociedade moderna viceja baseada no consumo: consumo de qualquer coisa, essencial ou supérflua, é necessário para que seus produtores tenham uma justificativa para continuarem sobrevivendo. A sociedade moderna e seu estilo de vida se encontra refém de um diabólico ciclo vicioso: estamos condenados a crescer e consumir. É uma das armadilhas ecológicas em que nos metemos.

Em meados da década de 50, o presidente Juscelino Kubitschek optou por desenvolver a indústria automobilística – e a construir rodovias – em detrimento do transporte ferroviário. Uma decisão discutível até hoje.

O progresso que o Brasil provincial experimentou desde então é inegável. O advento da indústria automotiva ensejou o desenvolvimento de todo o parque industrial nacional. O mercado também se expandiu. Hoje o mercado automobilístico representa 10% do PIB nacional. Especialistas avaliam que um quarto do valor agregado do setor industrial decorra da indústria automotiva. O Brasil é o sexto maior fabricante de veículos e o quinto maior consumidor de automóveis, ficando atrás apenas dos EUA, China, Japão e Alemanha.

O automóvel não é apenas um meio de transporte; é um dos meios de vida nacional. É recomentável, antes de vociferar contra os carrinhos engarrafados, considerar as milhares de pessoas – aqui em Blumenau mesmo – que têm seus empregos direta ou indiretamente relacionados à indústria automobilística. Pessoas que são meus, teus, nossos clientes, fregueses, fornecedores, prestadores de serviços etc. Portanto, devagar com o andor.


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Comentário do Sr. Eduardo Schlup, dentista de Blumenau, na seção "Cartas" do mesmo jornal:

Muito sábias as palavras do colunista Cezar Zillig, no artigo Geni (Santa, 14 de março), sobre os constantes ataques ao uso do automóvel. Hoje em dia, os politicamente corretos fazem a apologia da bicicleta, se esquecendo que a maioria da população, principalmente os mais humildes, detestam este tipo de transporte. Quem defende a bicicleta é porque nunca precisou usá-la. Pobre quer é carro, que traz conforto e segurança. A maioria dos defensores da bicicleta o fazem para parecer modernos e ecologistas.

Eduardo Schlup

Dentista - Blumenau


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Comentário do Sr. Reginaldo Paiva, no fórum de discussão da União de Ciclistas do Brasil - UCB, por e-mail:

Senhores César e Eduardo,

Acho que Vs. não estão entendendo nada do que está acontecendo no mundo. Não se trata de falar mal do automóvel como "modismo" ou por ser "in". O que se está questionando "urbe et orbi" é o modelo de desenvolvimento adotado desde a explosão da industria automobilística e, no que diz respeito aos cicloativistas questiona-se o modelo de cidade que o automóvel exige e que nossos diligentes dirigentes ("intelectuais orgânicos", ao pé da letra) se esforçam por aprimorar e desenvolver, de forma a excluir os eternos excluídos desta nova cidade que tão diligentemente mudam e remudam.

Reconhecer que a industria automobilística afunda em uma contradição insolúvel (crescimento da frota para uso em cidades cujo sistema viário que já não tem capacidade de atender sequer a frota existente), achar que é de competência exclusiva dos governos achar um jeito de que eu possa usar o meu carro nas ruas e avenidas, proclamar a impotência da sociedade (ou, como diz o César, amenizando a crítica, "difícil é identificar causas") é o mais hábil disfarce para criminalizar os que defendem o direito de que a bicicleta seja aceita como veículo de transporte urbano.

As causas do desastre urbano que o automóvel provocou, muito ao contrário do que diz o César, já foram claramente identificados; a literatura existente já pode ser medida em gigas e teras.

A opção pelo rodoviarismo, citado pelo César, não foi uma medida discutível do JK; foi uma medida desastrosa; nenhum país civilizado - USA, inclusive - desenvolveram sua industria automobilística desativando o transporte ferroviário; as ferrovias americanas, país preponderante da industria automobilística no início do século XX, são lucrativas.

Vale a pena ler os Planos de Metas do JK para ver que lá está escrito, com todos os erres e esses, que o papel da ferrovia já se teria esgotado no início dos anos 50 e que o atendimento às novas fronteiras econômicas deveria caber à rodovia (a esquerda chamava esta postura de submissão aos "interesses imperialistas". Teriam razão?). E foi isto que se fez. Na década de 90, na malha da Fepasa, a mais extensa do país, a distancia média de percurso dos trens era de 350 quilômetros. Nesta distancia, a ferrovia não compete com o transporte rodoviário....

O que é de mais estranho é que tenhamos em um site de ciclistas, analises tão distorcidas e absurdas das nossas lutas que visam "apenas" (destaco: apenas) a inclusão da bicicleta como um veículo urbano de bairro, ideal para viagens de até 6 ou 8 quilômetros, através de políticas públicas que tirem do limbo e do inferno os pedestres, cadeirantes, idosos e ciclistas, "proibidos" de usarem, em segurança, as ruas e a cidade.

Inqualificáveis as opiniões do Eduardo Schlup, principalmente se publicadas em site de ciclistas:

( "esquecendo que a maioria da população, principalmente os mais humildes, detestam este tipo de transporte", "Quem defende a bicicleta é porque nunca precisou usá-la", "Pobre quer é carro, que traz conforto e segurança"). Gostaria que ele nos informasse de onde ele retirou a bombástica opinião de que quanto mais pobre o cidadão mais ele detesta a bicicleta e que pobre quer é carro. Porque transferir para o "povo" uma opinião pessoal? Porque não dizer: eu detesto bicicleta, eu quero é carro e quero que vocês que defendem a bicicleta se lixem. Assine, date, registre em cartório e aguente as consequências.

Pra quem viveu a ditadura de 64 e viu o modelo ditatorial desmoronar com o muro de Berlim e assiste às escaramuças nos países árabes, recomendo que ao ouvir alguém que fala em nome do "povo" que verifique se tem o passaporte em dia; pode vir a precisar dele.

Reginaldo