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terça-feira, 17 de maio de 2011

SMTT na contramão

No último domingo (15), foi implantada a mudança no trânsito da Av. Júlio Marques Luz (mais conhecida como Av. Jatiúca), que deixou de ter mão dupla e passou a ter o sentido único praia/Centro.



Implantação do sentido único na Av. Jatiúca


Com a mudança, a SMTT acredita que melhorará a circulação de automóveis na região, uma vez que, aparentemente, os carros terão duas faixas para circular. Na realidade, não foi criado mais espaço para os automóveis. Houve apenas uma segregação, utilizando ruas paralelas com sentidos inversos entre si, o que a Prefeitura de Maceió costuma chamar de “binário”.

Tal ideia surge do pensamento rodoviarista (o mesmo utilizado na concepção de Brasília) que entende que o trânsito de automóveis deve fluir ininterruptamente pela cidade, com a busca constante da eliminação de cruzamentos, imaginando que a cidade funciona tal qual o sistema circulatório dos seres humanos e que tem que estar constantemente em movimento.

Intervenções semelhantes já foram adotadas em outros locais da cidade, como a Av. João Davino / Av. Álvaro Calheiros (na Jatiúca), recentemente, e a Av. Tomás Espíndola / R. Comendador Palmeira (no bairro o Farol), não tão recente. No caso mais antigo, já se pode observar a ineficácia da solução no médio prazo, apresentando congestionamentos diários nos horários de pico.



Congestionamento diário na Av. Tomás Espíndola (antes mão dupla, hoje mão única)


Tal solução busca favorecer preferencialmente o tráfego de automóveis e desconsidera pedestres, ciclistas e usuários de transporte coletivo, sendo estes vistos como empecilhos à “boa fluidez” do trânsito. Pedestres passam a ter mais dificuldade para atravessar essas ruas, que se tornam verdadeiras pistas de corrida, com o constante desrespeito aos limites de velocidade. Usuários de ônibus não têm mais os pontos de parada concentrados numa única avenida e precisam se deslocar um ou vários quarteirões.

Quanto às bicicletas, o assessor especial de trânsito da SMTT diz que, apesar de não terem ainda uma solução concreta, que dependerá de discussão interna na SMTT (sabe-se lá por quanto tempo), o objetivo é de “induzir o ciclista a não trafegar nessa via”. Como assim “não trafegar nessa via”?! E como o ciclista chega a alguma residência ou estabelecimento comercial localizado na Av. Jatiúca?





Recentemente, tem sido veiculada na TV, uma propaganda da SMTT oferecendo “dicas” de segurança para os ciclistas:





O vídeo esquece de dar as mesmas dicas para os motoristas, que são os que colidem com o ciclista e, muitas vezes, provocam sua morte, lembrando o que estabelece o Código de Trânsito Brasileiro:

"Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres." (Art. 29, inciso XII, §2º do CTB)

Na vinheta, é dito para os ciclistas não trafegarem na contramão e, por uma falha, aparece uma mão impedindo a passagem do ciclista no exato momento em que o narrador fala “nunca pedale na contramão”, enquanto ele pedalava no sentido correto.

NA CONTRAMÃO

A questão da contramão ainda é um pouco controvérsia. Muitos ciclistas costumam trafegar no lado esquerdo da via por acreditarem que, conseguindo ver os veículos de frente, terão mais segurança. Um engano que deveria ser explicado pelas campanhas educativas em vez de simplesmente dizer “não faça”, sem explicar o porquê.

O perigo de se trafegar no lado esquerdo da via pode ser explicado pela Física:

a) Se um ciclista trafega pelo lado direito da via (no mesmo sentido dos carros) a 20 km/h e é ultrapassado por um carro que segue a 60 km/h, o somatório de velocidade dos dois é de 40 km/h. Ou seja, o ciclista está mais lento em relação ao motorista do que todos os postes, placas, árvores e a própria noção que o motorista tem da sua velocidade;

b) Se um ciclista trafega pelo lado esquerdo da via (no sentido oposto aos carros) a 20 km/h e é ultrapassado por um carro que segue a 60 km/h, o somatório de velocidade dos dois é de 80 km/h. Com isso, o motorista tomará um verdadeiro susto ao avistar o ciclista, que virá na sua direção mais rápido do que a noção de velocidade que ele tinha ao observar postes, placas, árvores e tudo mais que passava.

Sendo assim, mesmo sendo aterrorizante sentir um carro passando em alta velocidade a poucos centímetros do guidão da bicicleta, ainda é menos perigoso do que se você estiver indo de encontro a ele.

Porém, numa intervenção como a que foi realizada na Av. Jatiúca, que a transformou em mão-única, o ciclista pode/deve continuar circulando pelo lado direito da via? Como já explicamos, tal situação traria grande perigo ao ciclista. Mas então o ciclista terá que pedalar até a Av. Amélia Rosa (como foi sugerido aos motoristas) para seguir no sentido Centro/praia?

Provavelmente não é o que acontecerá na prática e, enquanto a SMTT não concluir suas “discussões internas”, muitos ciclistas poderão morrer na Av. Jatiúca, já que a via já foi aberta ao tráfego sem que lhes fosse apresentada uma solução satisfatória.

Para contribuir com a “discussão interna” da SMTT, apresentamos uma solução que foi encontrada na cidade de Quito, capital do Equador, para o trânsito bidirecional de bicicletas em uma via de mão única.





Como a Av. Jatiúca ficou com quatro faixas (sendo duas para tráfego e duas para estacionamento), depois da intervenção, sugerimos que a faixa de estacionamento da esquerda seja transformada em ciclofaixa, tal qual o exemplo de Quito. Também sugerimos que sejam instaladas barreiras, rentes ao meio-fio, para evitar que os motoristas estacionem seus automóveis em cima do passeio público, como é muito comum encontrar na Av. Jatíuca. As imagens abaixo mostram o uso dessas barreiras em ruas de Paris e que são muito comuns em diversas cidades europeias.








Se a SMTT vier a implantar tais sugestões, agradará bastante os pedestres e causará grande revolta nos motoristas que estão sempre demandando mais e mais espaço para estacionarem suas banheiras. Mas é isso que as cidades dos países desenvolvidos estão fazendo: restringindo cada vez mais o espaço dos carros para que, assim, seu uso possa ser desestimulado.

Acreditamos que uma intervenção “pró-bicicletas” nessa avenida serviria de modelo para futuras intervenções em outras ruas e avenidas da cidade. Como não temos mais notícias do Plano dos transportes não motorizados (que vinha sendo desenvolvido pela Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Maceió), acreditamos que, se formos construindo de pouquinho em pouquinho as intervenções em cada rua da cidade, um dia teremos o todo que seria proposto pelo Plano. Mas se não há “Plano dos transportes motorizados” para que intervenções como essa da Av. Jatiúca seja feita, por que temos que esperar a elaboração do “Plano dos transportes não motorizados”?

Está na hora de mudar. Está na hora da SMTT parar de pedalar na contramão.