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segunda-feira, 13 de junho de 2011

Licitação do transporte público de Maceió - Capítulo final?




Desde 2009, temos acompanhado as questões que tratam do processo licitatório do serviço de transporte coletivo de Maceió. Como o fato se arrastava desde 2007 entre decisões judiciais e recursos da Prefeitura, decidimos apresentar o tema em capítulos, a cada fato novo que surgia.

Temos a impressão que dessa vez o assunto tem avançado além dos recursos judiciais, já que foi montada uma comissão da SMTT para elaboração do edital de licitação e foram publicadas, em Diário Oficial (pg. 09), as emendas dos vereadores de Maceió ao projeto de lei que regulamenta a licitação. Também foi convocada, pela SMTT, uma Audiência Pública no próximo dia 8 de julho para tratar da licitação do transporte coletivo.

Sabemos que somente a licitação do serviço não o tornará satisfatório. Mudar as empresas que prestam o serviço, atualmente por meio de concessão, pode ser o mesmo que trocar seis por meia dúzia. Além do mais, não é novidade para ninguém que, no Brasil, é muito comum haver licitações com cartas marcadas. O que não estamos afirmando que será o caso do transporte coletivo de Maceió.

Queremos dizer que, mais importante do que o processo licitatório em si é que, após a licitação, o serviço seja prestado com qualidade e atenda bem à população. Saindo do campo jurídico e entrando no campo urbanístico, apresentaremos a seguir nossas contribuições daquilo que acreditamos que trará qualidade ao sistema.

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Diferente de cidades europeias, que tiveram o desenvolvimento do transporte coletivo anterior à invenção do automóvel, Maceió teve suas linhas de bonde funcionando praticamente concomitante ao período em que se introduzia, aos poucos, o automóvel na capital alagoana. Seu sistema de bondes circulou de 1871 a 1956, primeiramente utilizando tração animal e, posteriormente, tração elétrica.





A partir de então, não apenas em Maceió, mas nas grandes cidades brasileiras, o bonde passou a ser substituído pelo transporte sobre pneus. Essa mudança foi fruto do pensamento rodoviarista que passou a vigorar no Brasil, por influência norte-americana. Também a partir da segunda metade do século XX, o Brasil passou por um forte processo de urbanização, com a migração da população do campo para as cidades. As vantagens que se apresentavam para o transporte por ônibus estavam na flexibilidade e no baixo custo de implantação, principalmente para alcançar bairros distantes, criados para acomodar as populações migratórias provenientes do interior do estado.

Os transportes urbanos passaram a se desenvolver na dualidade carro X ônibus, onde o primeiro era visto como um objetivo de vida a se alcançar e o segundo era apresentado como solução para aqueles que “ainda” não conseguiram alcançar o primeiro. O próprio pensamento Modernista do Urbanismo acreditava, na criação de Brasília, que todo cidadão, um dia, teria seu próprio carro para se deslocar.

Com isso, nós assistimos, ao longo das últimas décadas, a “privatização” da Mobilidade Urbana. O foco principal do Estado não era (e continua não sendo) o serviço público de transporte, mas a boa fluidez dos automóveis. Pontes, viadutos e alargamento de vias passaram a ser feitos nas cidades para abrir mais espaço para a crescente frota de veículos. Com as facilidades para se adquirir um automóvel, nossas cidades viram suas ruas se entupirem de carros, sendo constantes nos telejornais as notícias sobre congestionamento, poluição e mortes em acidentes de trânsito.

Esse processo ocorreu no mundo inteiro, mas algumas cidades de países desenvolvidos têm buscado soluções. Já outras têm empurrado o problema com a barriga, como tem sido o caso de Maceió. Dentre as soluções buscadas pelas cidades dos países desenvolvidos está a redução do número de carros no meio urbano, através de incentivos ao transporte coletivo, ao uso da bicicleta e à descentralização do comércio e serviços na cidade, favorecendo a “pedestrizanização”, que nada mais é do que utilizar as pernas para fazer curtos deslocamentos. Como o assunto desta postagem é o transporte coletivo, procuraremos focar mais nesse assunto para não nos alongarmos demais.

CURITIBA

Curitiba é uma cidade brasileira diferente de todas as outras. É conhecida mundialmente pelos bons resultados alcançados após décadas de aplicação do planejamento do uso do solo associado ao transporte. Como nos alongaríamos demais descrevendo Curitiba, resumimos no vídeo abaixo, apresentado pelo ex-prefeito Jaime Lerner, o que há no sistema de Curitiba que o faz funcionar satisfatoriamente:



Lerner apresenta quatro fatores que tornam o sistema satisfatório ao usuário: pista exclusiva, pagamento antecipado, embarque no mesmo nível e frequência. Explicaremos a seguir esses quatro fatores com mais detalhes e apresentaremos outros que acreditamos que devam ser levados em conta na elaboração da licitação do transporte coletivo de Maceió:


Pista exclusiva, ou corredor exclusivo

Diferente do que foi proposto pela SMTT de Maceió com o nome de “faixa seletiva”, que visa segregar os ônibus em uma única faixa para que eles não atrapalhem [sic] o trânsito dos carros, a faixa EXCLUSIVA só permite a circulação dos ônibus. É um espaço exclusivo para eles. O que se busca com a faixa exclusiva é permitir que o ônibus cumpra seu horário programado, evitando que ele perca tempo e combustível parado no congestionamento gerado pelos automóveis.

Em postagem de janeiro deste ano, demonstramos as capacidades de cada meio de transporte e propusemos a divisão da Av. Fernandes Lima de modo que seu espaço possa ser mais bem aproveitado.











Frequência


Dentre as emendas (pg. 9) apresentadas pelos vereadores, está um prazo máximo de 90 minutos para que o ônibus realize o percurso pré-determinado naquela linha. Acreditamos que, mais importante do que determinar um prazo máximo para o percurso, que dependerá da distância percorrida e da existência ou não de corredores exclusivos, seria a determinação de um intervalo máximo entre um ônibus e outro.

Como disse Lerner no vídeo, não se deve esperar mais do que 1 minuto pelo transporte. Sabemos que, devido à baixa demanda de passageiros, relacionada com a baixa densidade urbana, ter ônibus passando a cada minuto seria inviável economicamente. Porém, a utilização de veículos menores, como as vans, em linhas de menor demanda, integradas ao sistema de ônibus, permitiria frequências menores. Explicaremos melhor essa questão no item “integração do sistema”.


Embarque no mesmo nível

Nas emendas (pg. 9) apresentadas pelos vereadores, sugere-se um percentual de 30 % da frota adequada às pessoas com deficiência física. Sem demagogia, acreditamos que esse número deveria ser três vezes maior, 100 % da frota.

Utilizando a fração de 30 %, devemos admitir que a pessoa com deficiência física não terá o transporte ofertado em igualdade. A cada três ônibus, apenas um lhe servirá. Ou seja, se ele quiser chegar ao trabalho no horário, talvez tenha que acordar três vezes mais cedo do que o normal para poder pegar o ônibus que lhe é adequado.





Como pode ser visto no vídeo e como é descrito por Lerner, em Curitiba, o embarque é feito no mesmo nível do piso do ônibus, sem degraus. As estações de Curitiba têm sido gradativamente adaptadas com elevadores para o acesso de cadeirantes e carrinhos de bebê. Se a instalação de elevadores ficar muito cara aos cofres públicos, a elevação do passeio público pode ser outra solução, que inclusive já foi adotada em algumas paradas de Maceió.






Integração do sistema

A integração do sistema nada mais é do que a racionalização do mesmo. Atualmente, as linhas de transporte coletivo de Maceió apresentam-se basicamente de duas formas:

1) Várias linhas saindo de um mesmo bairro da periferia em direção a destinos diferentes. Ex: Benedito Bentes / Trapiche, Benedito Bentes / Centro, Benedito Bentes / Ponta Verde.





2) Várias linhas saindo de bairros diferentes, com um mesmo destino. Ex: Benedito Bentes / Centro, Eustáquio Gomes / Centro, Salvador Lira / Centro.





Com isso, podemos observar uma repetição e sobreposição de itinerários, o que torna o sistema irracional. A Av. Fernandes Lima, por exemplo, é utilizada por mais de 40 linhas de ônibus que têm origens e destinos semelhantes.

A racionalização consiste no “enxugamento” dessas linhas através da integração do sistema. Na Av. Fernandes Lima, essas 40 linhas de ônibus poderiam ser substituídas por uma única linha, que cortaria toda a cidade de norte a sul e seria alimentada por linhas provenientes dos diversos bairros da cidade. Como essa linha teria um carregamento muito grande, seria necessária a utilização de tecnologia superior ao ônibus comum, que poderia ser um VLT ou mesmo um ônibus bi-articulado, como os que são utilizados em Curitiba há décadas.





Para simplificar: se você está na praia de Ponta Verde e quer ir à UFAL, atualmente, você teria que aguardar o Eustáquio Gomes / Ponta Verde; ou se você está também na Ponta Verde e quer ir ao Tabuleiro, teria que aguardar o Benedito Bentes / Ponta Verde. Com o sistema integrado, você teria um ônibus lhe levando até a Fernandes Lima e lá você teria um VLT ou bi-articulado lhe levando até a UFAL ou ao Tabuleiro.

Para que o sistema exemplificado funcione, é necessário que haja também uma integração tarifária (que explicaremos melhor no item “pagamento antecipado”), a criação de corredores exclusivos para o transporte coletivo e a oferta de ônibus com uma boa frequência. Tudo tem que estar afinado para que funcione de fato como um sistema.

Quando se fala em integração, não se pode esquecer que a bicicleta é um veículo e que deve ser levada em consideração dentro do sistema, como alimentadora do mesmo, com a criação de bicicletários em locais estratégicos da cidade.


Legibilidade do sistema

Você saberia dizer, hoje, qual ônibus você deve tomar para ir a qualquer lugar da cidade? Provavelmente, você só conhece o ônibus que lhe leva ao trabalho; ou o ônibus que vai ao Centro; ou aquele que seu filho toma para ir à escola. Isso se deve à irracionalidade atual dos transportes urbanos de Maceió.

Um sistema integrado funciona tal qual um sistema de metrô. Há um mapa mostrando todas as linhas e, de acordo com o destino que você deseje ir, você vai tomando os ônibus (ou trens) que lhe permitam fazer o percurso mais curto (consequentemente mais rápido).



mapa da rede de metrô de Paris




mapa da Rede Integrada de Transportes de Curitiba



exemplo de rede integrada para Maceió


Com isso, o sistema ficaria legível para o usuário, que poderia se deslocar com facilidade de qualquer ponto a qualquer ponto da cidade. Em sendo uma cidade turística, a boa legibilidade do sistema permitiria que turistas se deslocassem com facilidade, tendo mais uma opção além dos táxis.


Outras fontes de energia

Vale lembrar que os transportes são os principais emissores de poluentes nas cidades, causando problemas respiratórios e redução da expectativa de vida da população. Não se pode deixar de levar em consideração, na licitação dos transportes coletivos de Maceió, a necessidade de utilização de energias limpas e/ou renováveis. Nós já tratamos da questão da poluição aqui no blog em outra oportunidade. E, no último domingo (12), foi ao ar no programa Repórter Eco, da TV Cultura, uma matéria que mostrou a utilização de ônibus menos poluentes na cidade de São Paulo.


Pagamento antecipado da tarifa ou Tarifa Zero

Em Maceió, o pagamento da tarifa já é parcialmente antecipado, com os estudantes, que recarregam seus cartões em postos da Transpal. Quando Lerner fala sobre o pagamento antecipado em Curitiba, ele se refere às “estações tubo” utilizadas naquele sistema. Ao entrar na estação, o usuário já paga o ônibus. Quando o ônibus para no ponto, não há aquela fila de pessoas pagando e pegando seu troco com o cobrador que está dentro do ônibus. O cobrador fica no próprio ponto. Quando o ônibus para, todos entram rapidamente e, com o embarque no mesmo nível, reduz-se o tempo de parada no ponto.

Uma solução um pouco mais avançada foi adotada pela cidade de Madri, na Espanha. O usuário pode comprar seu cartão de acesso ao transporte para uma semana, por mês ou por ano. Com isso, é reduzida a necessidade de circulação de dinheiro nos pontos de ônibus, evitando assaltos. Como o sistema de Madri é integrado, o cartão que você comprou lhe dá direito a tomar quantos ônibus quiser. Desta forma, você faz a integração livremente e chega ao seu destino rapidamente.

Uma outra proposta, um pouco mais polêmica, é a denominada “Tarifa Zero”, apresentada pelo ex-secretário de transportes de São Paulo, Lúcio Gregori. A ideia é que o transporte público é um serviço público como a saúde, a educação ou outro qualquer. Portanto, não se pode aceitar que apenas seus usuários paguem sua tarifa. Da forma como está, o serviço se torna extremamente caro para quem é assalariado ou está desempregado e é irrisório para quem tem um poder aquisitivo maior. O que Gregori propõe é uma reforma tributária que possibilite o pagamento das empresas de ônibus com os impostos que nós já pagamos.





Para entender melhor a proposta, veja a entrevista com Lúcio Gregori (parte 1 / parte 2).


Fim do apartheid nos transportes

Pode parecer um pouco absurdo, não é nada oficial, mas é fato que existe um apartheid social nos transportes e em qualquer serviço público. Na nossa sociedade capitalista, em que a felicidade e o status se medem através da riqueza financeira e dos bens que a pessoa possui, os serviços públicos não são vistos com bons olhos. Se a saúde pública é ruim, paga-se um plano de saúde. Se a educação pública é ruim, matricula-se o filho numa escola privada. Se o transporte público é ruim, compra-se um carro.

O fato é que, no Brasil, só usa serviço público quem não consegue tê-lo de forma privada, numa verdadeira inversão de valores. Com isso, não é raro que as melhorias nos serviços públicos sejam constantemente usadas como moeda de troca em períodos eleitorais ou mesmo como uma esmola aos “pobres coitados” que não têm condições de se livrar dessa droga que é o serviço público.

O ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, quando conseguiu renovar o metrô de sua cidade, que estava decadente há vários anos, decidiu ele mesmo utilizá-lo como forma de mostrar aos nova-iorquinos o quão bom estava aquele transporte.

Esperamos que a licitação dos transportes coletivos de Maceió deixe o serviço tão bom ao ponto do prefeito ou dos vereadores de Maceió poderem deixar seus carros em casa e ir trabalhar todos os dias da mesma forma que a maioria da população. Esperamos que o transporte coletivo não seja mais visto como uma migalha aos pobres, nem como uma forma de enriquecer empresários que o exploram, mas como um serviço público que atenda à população como um todo e que preze pela eficiência e pela qualidade.

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Para ver alguns problemas enfrentados pelos usuários de transporte coletivo de Maceió, assista a matéria (parte 1 / parte 2) produzida pelo programa Página Aberta, da TV Educativa.

Para ver algumas soluções para esses problemas, assista o documentário produzido pelo Discovery Channel, intitulado “Soluções para o Trânsito”.