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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

De cabeça para baixo‏

por Natália Garcia

Queridos patrocinadores.

Bom, dia, como estão todos?

Estou em Paris e o dia amanheceu lindamente ensolarado por aqui.

Há um bom tempo que não escrevo, por uma porção de razões. A maior delas é que desde que comecei essa viagem, no dia 5 de maio, a quantidade de informações que apurei e insights que tive é tremenda. E chegou um momento em que precisei parar e me debruçar sobre todo o material que tinha nas mãos para organizar o fluxo de produção. Isso aconteceu enquanto estive em Londres. E não foi à toa.

Londres me virou de cabeça para baixo. Cheguei lá depois de passar por Copenhague e Amsterdam. Duas cidades antiquíssimas, ricas, que mantém sua arquitetura medieval, preservaram seus lindos rios e canais e taparam pouquíssimos dos seus cursos d’água. Cidades com uma escola clássica e tradicional de planejamento urbano, que possuem planos para daqui 100, 200 anos e onde as pessoas seguem regras rígidas de convivência nos espaços públicos (algumas vezes até demais. os dinamarqueses, por exemplo, esperam o semáforo de pedestres abrir para atravessar a rua mesmo que sejam 3 da manhã, esteja um frio de rachar e não hajam carros na rua... e ainda te olham feio se você não esperar a luz verde).

Cheguei em Londres esperando encontrar tudo isso, mas em grande escala.

Ledo engano!

Em Londres fiz diversas entrevistas com professores do Department Planing Unit, um núcleo da University College of London que se dedica a estudar planejamento urbano de um jeito fora da curva. Esse departamento foi criado na década de 60 com o objetivo de pensar em soluções para cidades que contemplassem, não o padrão europeu de desenvolvimento, mas os centros urbanos subdesenvolvidos do Sul do planeta. O foco eram cidades como São Paulo, mais recentes, que cresceram muito rápido, em geral depois da Segunda Guerra Mundial. Essas cidades possuem duas grandes características.

A primeira é um desenvolvimento pautado pelo carro. Os trilhos de trem e as hidrovias eram considerados ultrapassados diante do automóvel, que era o símbolo indiscutível de progresso e prosperidade. Então essas cidades não só não possuem trilhos de trem como taparam seus rios, que eram obstáculos para os carros, e os transformaram em grandes avenidas. A segunda característica é que todas essas cidades possuem um espelho em negativo, um lado oculto e obscuro: a cidade informal. As favelas e habitações informais são muitas vezes maiores do que a cidade formal. E a escola tradicional de planejamento urbano européia enxerga essas áreas como espaços a serem erradicados. Pois bem, no DPU, os pesquisadores se deram conta de algo fundamental: considerando toda a população que habita cidades no mundo inteiro, as áreas informais são maiores do que as formais. Erradicar a maioria, então, não parece o jeito mais eficaz de lidar com essa questão. Mais inteligente e interessante é se apropriar dessa lógica de desenvolvimento urbano peculiar para criar planos e projetos que se enquadrem nela. E o mais interessante que descobri é que há uma porção de iniciativas das próprias populações das manchas informais de cidades pelo mundo que, colaborativamente (e muitas vezes com o uso de ferramentas da web), procuram mapear os dados informais que ficam fora das contagens oficiais e utilizam esses dados em busca de mais representatividade política. Interessante, né? Afinal, como resolver, por exemplo, o problema do trânsito, que está intimamente ligado ao problema da habitação se os dados que temos são apenas os "oficiais", que mascaram a realidade? Há um pesquisador francês chamado Lefebvre que trabalha com a noção de “direito à cidade”. Será que as pessoas morando informalmente possuem menos direito à cidade? O que vocês acham? Estou fritando o cabeção para escrever sobre isso...

Fato é que essas duas características, o desenvolvimento focado no carro e a informalidade, são a maior pedra no sapato do planejamento urbano de cidades subdesenvolvidas. E está mais do que na hora de entrarmos nessas discussões.

Também no DPU entrei a fundo na discussão sobre uma solução que parece bastante eficaz para grandes cidades: a agricultura urbana. Plantar na cidade resolve, em primeiro lugar, o problema do abastecimento de comida (covenhamos: em grandes cidades temos que trazer comida cada vez de lugares mais distantes). Também é uma prática que cria áreas permeáveis na mancha urbana. Isso é um bom caminho para começar a resolver problemas de alagamento e pode ser um caminho para despoluir e destapar alguns dos rios da cidade. Com mais áreas verdes e mais água na superfície, a cidade eliminaria ilhas de calor – um problema que chega a elevar em 7 graus a temperatura de São Paulo em relação ao entorno da cidade. Agricultura urbana também pode impedir que a cidade cresça desordenadamente. Por exemplo, em Londres, há um cinturão verde ao redor da cidade que funciona como um tipo de paredão, de limite, garantindo que a capital inglesa não continue a se espalhar desordenadamente. E, por fim, agricultura urbana também é um centro de convivência que pode misturar as cidades formal e informal. Imagine só se todo bairro tivesse um centro de produção de alimentos saudáveis, fresquinhos, cuidados pela própria população local, onde seu filho pudesse estalar uma árvore e colher uma manga madura para comer. Interessante, não? O problema é que o solo em grandes cidades é objeto de desejo voraz das empresas imobiliárias. O potencial de desenvolvimento de um pedaço significativo de terra em uma grande cidade é grande demais para “desperdiçá-lo” com um pomar, por exemplo.

Como vocês podem notar, Londres trouxe várias novidades que balançaram o rumo do Cidades para Pessoas. Mas a essência, ou seja, tentar entender como se cria um bom lugar para as pessoas viverem, continua a mesma.

Sigo mergulhada nesse tema e posso dizer que ontem estive especialmente próxima disso. Em Paris, à margem do Sena, há um tanque de areia que simula uma praia artificial com diversas cadeiras e redes públicas. Assistir o pôr-do-sol depois de pedalar à beira do rio esteve bem próximo de ser meu lugar ideal do mundo.

Peço desculpas pelo tamanho do e-mail. E finalizo com três novidades.

1. O site do Cidades para Pessoas finalmente está no ar. Confiram!
2. O Cidades para Pessoas tem uma nova integrante na equipe!!!
3. O cidades para pessoas terá um novo canal de apoio financeiro e um relatório mensal de gastos. Nos próximos e-mails, junto com as novidades, vocês receberão um extrato da conta do projeto e um relatório detalhado dos gastos do mês. O relatório retroativo virá junto com o de agosto.

beijos a todos e boa semana.

Natália Garcia.

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