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sexta-feira, 21 de setembro de 2012

AL-101 Sul e o Dia Mundial Sem Carro


Como todos sabem, dia 22 de Setembro é o Dia Mundial Sem Carro. É também o Dia Estadual do Ciclista em Alagoas (Lei Estadual nº 7.719/2010) e o Dia Municipal Sem Carro no município de Maceió (Lei Municipal nº 5.884/2009).

Curiosamente, o dia 22 de setembro de 2012, próximo sábado, Dia Mundial Sem Carro, foi a data escolhida pelo Governo de Alagoas para inaugurar a duplicação da AL-101 Sul. A solenidade de inauguração será no viaduto de acesso a Praia do Frances, município de Marechal Deodoro.

Será contradição ou confirmação de ideias?


Para muitos, essa obra é de grande relevância para a economia do estado. Para outros, existem demandas mais emergenciais que, se tratadas com o mesmo empenho, como foi tratada a duplicação da AL-101 Sul, trariam muitos benefícios concretos para a população alagoana.

Debates a parte, o fato que obra foi concluída. Mas logo vem a pergunta: como serão tratadas as necessidades de deslocamento dos ciclistas e pedestres?

Não cabe mais reivindicar a construção de ciclovia, ao longo da supracitada AL-101. Vale lembrar que essa reivindicação foi muito bem feita pelo dirigente de um grupo hoteleiro de Maceió, à época da elaboração do projeto de duplicação. Esse diretor levou ao governo a idéia de se criar uma rota cicloturística na região (Maceió, Coqueiro Seco, Barra Nova, Massagueira, Frances, Marechal Deodoro, Barra de São Miguel). Explicou que caberia ao Estado, já que iriam duplicar a rodovia, prover uma estrutura que proporcionasse segurança ao cicloturista, no caso, a construção de ciclovia ao longo da duplicação. Explicou que o restante da estrutura para o cicloviajante seria provido pela iniciativa privada e pelas prefeituras e que, tal ação, por parte do Estado, criaria um novo potencial turístico para a região, que novos negócios seriam fomentados, que tal ação iria beneficiar a população local, visto que muitos moradores da região utilizam a bicicleta como meio de transporte e também iria beneficiar aqueles que andam de bicicleta por lazer ou esporte (na região existe um fluxo considerável desses ciclistas). Toda argumentação foi em vão, a ideia foi rejeitada.

Diante dos fatos, cabe a nos ciclistas não mais reivindicar ciclovia para a região, esse sonho não se concretizará!

Cabe sim, reivindicar medidas que proporcionem mais segurança para os ciclistas que trafegam pela nova AL-101 Sul.

Cabe a nós ciclistas cobrar a manutenção e conservação das áreas de acostamento, sinalização vertical de advertência ao longo da rodovia indicando a presença de ciclistas (placa de advertência A-30a), fiscalização eletrônica ao longo de toda a rodovia para que o limite de velocidade imposto aos motorizados não seja desrespeitado, campanhas educativas direcionadas aos motoristas e ciclistas, tratamento adequado das pontes para que o ciclista e o pedestre possam atravessar com segurança.

Fato curioso: foi informado que, na travessia da ponte Divaldo Suruagy (a ponte do Detran), o ciclista deve atravessar (sentido Maceió, Barra Nova) pela ponte da esquerda, pela borda esquerda, pois haverá espaço reservado para essa travessia de modo seguro, que seria uma intenção de dar continuidade ao percurso que o ciclista faz quando vem pela ciclovia da orla marítima do Pontal da Barra. Acontece que ao final da travessia o ciclista estará na contramão de direção, sentido contrário à movimentação dos veículos motorizados. Como todos sabem, o ciclista não deve trafegar na contramão (contra-fluxo) pois é uma situação que contraria a legislação e, acima de tudo, é muito perigosa (exceção se faz em vias urbanas e quando o contra-fluxo é devidamente sinalizado).

Então, ao final da travessia como o ciclista irá se posicionar no acostamento das faixas da direita (mesmo sentido de direção dos veículos motorizados) para prosseguir sua viagem? Talvez algum projetista (que sempre esquece a existência de pedestres e ciclistas) possa explicar.

É fato que a AL 101 Sul passa por várias áreas onde existe fluxo de travessia de pedestres. Será que os pedestres também foram esquecidos? Será que os projetistas acreditam que a simples pintura de faixas para pedestres, em locais onde não existe demanda para travessia, resolve a questão?

É necessária a realização de um trabalho muito responsável com relação aos pedestres!

Quando se fala em trabalho responsável, podem ser citadas, como exemplo, ações de campo para mapear as reais necessidades de travessia. A implantação de faixas para pedestres obedecendo ao principio da racionalidade (não é correto impor uma caminhada de 2 km para ter o direito atravessar com segurança). Também se faz necessário um intenso trabalho educativo (com motoristas,  pedestres e crianças), para que seja criada a cultura da travessia com segurança. As faixas de travessia devem ter dimensões adequadas, a exemplo das grandes faixas pintadas recentemente na Av. Paulista (São Paulo/SP), e não o padrão acanhado que é utilizado nas vias urbanas de algumas cidades. E acima de tudo, é necessária a fiscalização eletrônica para coibir o excesso de velocidade.

Para alguns motoristas essas considerações podem ser classificadas como desnecessárias ou antipáticas, afinal de contas dizem respeito a benefícios (direitos) para pessoas que estão fora dos veículos motorizados. Motorizados estes, conduzidos algumas vezes com muita responsabilidade, mas em outras, com muita irresponsabilidade, egoísmo e intolerância. Mas temos certeza de que, para os que estão do lado de fora dos veículos, que são as maiores vítimas dos acidentes de trânsito, o que foi explanado aqui tem muita coerência e objetividade.

Por meio de uma consciência crítica e união, é possível preservar os nossos direitos, ou seja, as nossas vidas.

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Veja também:

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O Desafio Intermodal de 2012


Aconteceu, na manhã de hoje (18), a segunda edição do Desafio Intermodal de Maceió - DIM. O evento consiste em percorrer um trajeto pré-definido (5,4 km), na hora do rush, utilizando diversos modais diferentes, para ser feita uma avaliação comparativa entre o tempo gasto por cada um, levando também em consideração a eficiência energética e a poluição emitida por cada modal de transporte.



A diferença em relação à edição de 2011, que contava com seis modalidades, foi a inclusão de mais quatro modalidades: a pé (corrida), cadeira de rodas (motorizada), integração ônibus + trem e integração bicicleta + trem. Tentamos incluir também skate e patins, mas não houve participantes inscritos. No total, 16 voluntários participaram do desafio em 10 modalidades diferentes.

Clique na imagem para ampliar

Assim como em 2011, a motocicleta foi a primeira colocada no quesito tempo. Porém, não se pode considerá-la uma vencedora se levarmos em consideração os níveis de poluentes emitidos e os custos com saúde pública que os acidentes envolvendo esse veículo demandam.

Na sequência, ficou: motocicleta, bicicleta, táxi, pedestre (corrida), carro, pedestre (caminhada), cadeira de rodas motorizada, integração bicicleta + trem, ônibus e integração ônibus + trem.


A cadeira de rodas motorizada transitou pelo leito carroçável, junto aos demais veículos motorizados, com a ajuda de dois ciclistas que fizeram sua escolta. O trânsito da cadeira de rodas pelo leito carroçável sem a escolta seria bastante perigoso e, pelo passeio público, seria impossível, por motivos óbvios.


Não foi possível fazer a integração bicicleta + trem. Na véspera do DIM, fomos à sede da Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU, no Centro de Maceió, para obter informações sobre os horários do trem e sobre a possibilidade de embarcar no trem com a bicicleta. O funcionário que nos atendeu informou que não era permitido entrar com bicicleta comum, mas com bicicleta dobrável, sim.


O próprio vídeo promocional da CBTU, que demonstrava o Veículo Leve sobre Trilhos - VLT antes de sua implantação, apresentava algumas bicicletas (comuns) no interior dos vagões.




Contudo, durante a realização do DIM, ao chegar à Estação Bebedouro, não foi permitido o embarque da bicicleta dobrável no trem. Após a partida do trem, o participante se dirigiu à Praça dos Martírios pedalando e, ainda assim, chegou antes da participante que fez a integração ônibus + trem e que iriam na mesma composição: a das 7h58.


Veja aqui um resumo do Desafio Intermodal de 2011.

  

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Bicicletas e contrafluxo


Uma pequena placa na praça da Sé no centro de São Paulo pode parecer misteriosa, ou até mesmo surreal, mas o que ela indica é simplesmente algo que já é previsto no Código de Trânsito Brasileiro e praticado em inúmeras cidades européias. Bicicletas podem circular pelo contrafluxo motorizado, basta a oficialização do poder público.

A oficialização por parte do poder público dessa circulação das bicicletas no contrafluxo se traduz em adequar a cidade para a circulação e compartilhamento seguro das vias. Ruas e avenidas com sentido único de circulação são uma conveniência à segurança e conforto dos condutores dos veículos motorizados, uma distorção urbana que instintivamente ciclistas tendem a não reconhecer.

Afinal, movidos pela própria energia, ciclistas e pedestres buscam sempre o caminho mais curto, plano e direto até seu destino. Ruas e avenidas que desrespeitam essa necessidade dos ciclistas desconsideram a necessidade humana nos deslocamentos urbanos. Ou seja, para ser completa, uma via precisa garantir que pedestres e ciclistas possam circular em ambos os sentidos com segurança, já o ordenamento do trânsito motorizado pode continuar operando por sua lógica, mas sempre garantindo a segurança e conforto das pessoas que circulam sem o apoio de motores.

Abaixo os exemplos europeus de ruas de bairro com circulação de bicicletas em ambos os sentidos da via.


Copenhague, Dinamarca

Munique, Alemanha

Munique, Alemanha

Munique, Alemanha

Ultrecht, Holanda



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Veja também:

- SMTT na contramão

- Bicicletas na contramão (mas com segurança)


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Desafio Intermodal e Dia Mundial Sem Carro 2012


Na próxima terça-feira (18/09/2012), realizaremos o segundo Desafio Intermodal de Maceió. A novidade desse ano foi a inclusão de mais algumas modalidades de transporte como: patins, skate, cadeira de rodas e a integração ônibus + trem.

Estamos com um pouco de dificuldade para conseguir voluntários para o skate e a integração ônibus + trem. Se tudo correr bem, no próximo ano, estamos pensando em experimentar a integração bicicleta + trem e/ou bicicleta + barco (através da lagoa Mundaú).

Assim como foi feito no ano passado, o evento consiste em percorrer um trajeto pré-definido, na hora do rush, utilizando diversos modais diferentes, para ser feita uma avaliação comparativa entre o tempo gasto por cada um, levando também em consideração a eficiência energética, a poluição emitida e os custos financeiros.

A concentração será a partir das 6h30 e a largada às 7h15, em frente à sede do Ibama (na Gruta de Lourdes). A chegada será na Praça dos Martírios (no Centro), totalizando 5,4 km.

Para a realização do evento, precisamos de voluntários. Se você tiver interesse em participar, escreva para bicicletadademaceio@gmail.com informando nome completo, telefone e o modal que você pretende utilizar. Informe todos aqueles que você tem disponibilidade, pois alguns estão sendo muito procurados e outros não. Portanto, precisamos de uma segunda ou terceira opção de cada participante.

Você pode conhecer um pouco mais sobre o Desafio Intermodal de outras cidades buscando no Google.
 
Participe!

Contamos com sua colaboração!


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Para a semana que antecede o Dia Mundial Sem Carro, comemorado em 22 de setembro, montamos uma programação não tão extensa quanto gostaríamos, mas com a intenção de não deixar a data passar em branco em nossa cidade.

Para quem nunca ouviu falar no Dia Mundial Sem Carro, trata-se de uma iniciativa que surgiu na cidade de La Rochelle, na França, em 1998, e espalhou-se por outras cidades europeias e de todo o mundo. A cada ano, mais cidades aderem ao Dia Mundial Sem Carro.

O objetivo da data é incentivar os motoristas a deixarem o carro em casa por pelo menos um dia no ano, com o intuito de provocar a reflexão sobre a dependência que nós (e nossas cidades) temos do automóvel. Com isso, deve-se buscar outras alternativas, como o transporte coletivo, a bicicleta ou o próprio caminhar, para então observar como nossa cidade seria mais agradável se mais pessoas aderissem à essa iniciativa também em outros dias do ano.

Caso você não consiga deixar o carro em casa num único dia do ano, reflita sobre a sua dependência do automóvel. Essa foi uma escolha sua ou de pessoas que estão enriquecendo bastante à custa da degradação de nossas cidades?


"se esses idiotas fossem de ônibus, eu já poderia estar em casa"


Para lembrar a data, nós, da Bicicletada de Maceió, pretendemos realizar uma Bicicletada na noite do dia 21/09, dando um rolé pela cidade, panfletando e lembrando aos motoristas sobre o Dia Mundial Sem Carro. A concentração será no viaduto Aprígio Vilela (no Farol), a partir das 18 h e a saída às 19 h.

No domingo (23/09), realizaremos uma oficina para ensinar a andar de bicicleta aquelas pessoas que ainda não sabem. A oficina acontecerá no espaço fechado aos automóveis, na Av. Sílvio Viana, na Ponta Verde. Estaremos por lá a partir das 13 h.

Veja um resumo da edição de 2011 e 2010 do Dia Mundial Sem Carro.

Participe!

Tente se libertar do carro por pelo menos um dia no ano!
 

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Jan Gehl: tamanho e beleza não são tudo


Um dos grandes urbanistas da atualidade, Jan Gehl, diz que seus colegas devem parar de se deslumbrar com suas torres imensas e projetar cidades para melhorar a vida da população
 
por Gabriele Jimenez

Nas últimas cinco décadas, o dinamarquês Jan Gehl, 75 anos, tem sido uma voz dissonante entre seus colegas estrelados, grande parte deles adepta dos edifícios espetaculares e monumentais — daqueles projetados para ser vistos de longe, de dentro do carro. Gehl diz defender "a volta à escala humana", que valoriza, por exemplo, detalhes nas fachadas, para ser apreciados por quem anda a pé — ou, mais alinhado com o politicamente correto, de bicicleta. Pesquisador da Royal Danish Academy of Fine Arts, em Copenhague, e autor do livro Cidades para Pessoas, ele liderou a transformação de sua cidade natal e de Melbourne, na Austrália. Para Gehl, o fascínio pelos prédios deixou as pessoas em segundo plano. Ele vem sendo consultado por governantes do mundo todo, como o prefeito Michael Bloomberg, que lhe concedeu, em 2009, um prêmio por suas contribuições a Nova York.

Por que o senhor é contra os edifícios monumentais?
Muitos de meus colegas fazem uma enorme confusão em relação ao conceito de escala. Eles criam projetos pensando em altura e buscando construir prédios que mais pareçam monumentos, de maneira que suas obras de concreto possam ser apreciadas a distância por quem passa por elas a 70 quilômetros por hora dentro de um carro. É o ponto de vista dos motoristas que tem determinado os contornos da maioria das cidades modernas. A escala humana, que eu defendo e aplico, é a que valoriza espaços menores, praças e fachadas com detalhes que as pessoas podem observar quando andam a pé. Essa é a perspectiva que ainda predomina nas áreas mais antigas dos centros urbanos ou mesmo em cidades inteiras que atravessaram os séculos preservando a escala humana em seu conjunto, como Veneza. Qualquer arquiteto moderno que pretenda tornar um lugar agradável à espécie humana deve compreender isso. Temos de nos desprender da ideia de que tudo gira em torno dos automóveis.

Ser contra carros não é uma visão romântica demais?
Não se trata de não gostar de carros. o que eu defendo é a necessidade de pensar duas vezes antes de construir avenidas e viadutos, que são um estímulo para que as pessoas usem mais e mais carros. Por outro lado, se erguermos praças e ciclovias boas e seguras, estaremos incentivando as pessoas a andar de bicicleta ou mesmo a pé. Sou um defensor da ideia de que mais ruas sejam vetadas aos carros e que se cobre uma taxa de quem dirige em áreas de tráfego mais intenso. Desde 2003, os motoristas pagam para circular pelo centro londrino e, sozinha, essa medida foi capaz de fazer o trânsito cair 20%. Cabe a nós, planejadores urbanos, dar às pessoas o estímulo correto. O mais fantástico em meu ofício é que as intervenções urbanas têm o poder de criar novos hábitos e comportamentos.

A arquitetura é capaz de moldar comportamentos?
Sem dúvida. Veja o caso de Nova York. Há três anos, a decisão de fechar a Times Square, centro nervoso de cruzamentos de grandes avenidas, causou desconfiança. Apareceu até gente dizendo que sem aquele trânsito tão familiar a cidade perderia sua identidade. Os lojistas também desaprovaram. Achavam que o comércio ia despencar, já que o movimento na área cairia. Mas as previsões mais pessimistas não se confirmaram. Hoje as pessoas passam mais tempo na região e se demoram justamente olhando as vitrines e comprando. Manhattan de fato melhorou com essa intervenção. Foi um caso que acompanhei de perto, como consultor do projeto, e fez reforçar em mim a convicção de que as resistências sempre esmorecem quando os críticos percebem que sua cidade está mais acolhedora e agradável.

Mas o senhor acha que faz sentido dificultar a vida dos motoristas em cidades onde o transporte público é insuficiente?
Faz, desde que se invista paralelamente na melhora dos sistemas de ônibus, dos metrôs e das ciclovias. Uma questão econômica conspira a favor. Por mais de meio século, tivemos gasolina barata — um poderoso incentivo para que os carros proliferassem e as cidades fossem planejadas para acolhê-los. Mas, daqui para a frente, com o escasseamento do petróleo e a alta no preço do combustível, seremos forçados a mudar essa mentalidade e apostar para valer em transporte público e boas ciclovias. Pode-se dizer que a bicicleta mudou radicalmente a paisagem de cidades como Copenhague.

Como isso aconteceu?
Construímos uma extensa malha de pistas, oferecendo às pessoas segurança e conforto para pedalar. Os motoristas foram se habituando a essa estreita convivência com os ciclistas e hoje os respeitam exemplarmente. É um sistema tão bom que cada vez mais gente usa a bicicleta como meio de transporte em Copenhague. Os últimos números disponíveis mostram que 37% dos habitantes vão ao trabalho pedalando. Até 2015, será metade da população. Nova York está enveredando por caminho semelhante. A meta do prefeito Bloomberg é construir 5 000 quilômetros de ciclovias — esforço fundamental para tornar sua metrópole a mais verde do mundo. Ambas podem servir de modelo para outros grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo. Essas e outras capitais do mundo em desenvolvimento, como Lagos, Jacarta e Xangai, cresceram rápido demais e de forma desordenada, acumulando gargalos de infraestrutura que impõem desafios gigantescos. Todas precisam urgentemente de bons planejadores.

E onde os maus planejadores têm errado mais?
Por muitas décadas, eles vêm encampando ideologias que põem a beleza e o impacto visual à frente das verdadeiras necessidades humanas. Acabam resumindo a história a "Se algo é bonito, o resto se resolve". Mas não é assim que as coisas ocorrem. Construiu-se sobre essa premissa um grande equívoco que subverte a ordem natural das coisas. No passado distante, os urbanistas se debruçavam, primeiro, sobre a demanda das pessoas, depois refletiam sobre os espaços públicos e, por fim, imaginavam os edifícios nesse cenário. Hoje, a maioria de meus colegas pensa antes de tudo nos edifícios, depois nos espaços em que eles vão brotar e, só no fim, nas pessoas que circularão por ali.

Quais são as cidades que o senhor classifica como mais agradáveis para viver?
Coloco na lista, de novo, Veneza e Copenhague, além de Melbourne, na Austrália, e alguns distritos e bairros de certas cidades, como Greenwich Village, em Nova York. Gosto também de praças que, para mim, são o suprassumo desse modelo de espaço que acolhe bem as pessoas, como a Piazza del Campo, em Siena. Todos são, em alguma medida, lugares preservados de males urbanos como trânsito caótico e altas taxas de criminalidade. Também oferecem áreas onde se pode caminhar, sentar, observar, falar, ouvir, se divertir e se exercitar. Suas construções mantêm ainda uma boa escala e design de primeira, que levam quem as ocupa a se sentir confortável e protegido. Repare como o design dos edifícios é apenas um, e não o mais importante, dos components que, somados, compõem bons habitats para a espécie humana.

Mas os prédios esculturais e os arquitetos-celebridade que o senhor critica também podem mudar, e para muito melhor, o destino de uma cidade, como aconteceu em Valência, com Santiago Calatrava, e em Bilbao, com Frank Gehry.
Gosto de algumas obras de Calatrava, mas não de tudo. De modo geral, não sou fã desses profissionais alçados à condição de gênios da espécie — os "starchitects". Eles acham que podem "andar sobre a água" só porque produzem obras que, segundo sua própria visão, são cruciais para a humanidade, já que transformam os lugares em que estão. Mas essa não é a ideia de relevância em que acredito. Definitivamente, não gosto da monumentalidade da arquitetura modernista.

Isso quer dizer que o senhor não gosta, por exemplo, da Brasília de Oscar Niemeyer?
O que mais me incomoda na arquitetura modernista é o fato de que é uma arquitetura pensada de cima para baixo e não o contrário, como deveria ser. O exemplo de Brasília é emblemático — tanto que costumo me referir à "síndrome de Brasília" quando vejo locais muito grandiosos e sem nenhuma conexão com as necessidades de seus habitantes. Brasília até impression vista de cima, da janela do avião, mas lá embaixo, no nível do olho humano, ela não cumpre nenhum dos critérios que fazem de uma cidade um lugar bom para viver. Alguns dos espaços em Brasília estão entre os piores que já vi na vida. A cidade é monumental demais, desagradável para caminhar. Nos anos 60, quando esse tipo de traçado se popularizou, ninguém sabia nada sobre a interação das pessoas com o espaço que elas habitam. O que se sabia era como planejar uma cidade tecnocrática. O viés modernista, que prioriza o prédio e ignora o que acontece à sua volta, não produziu cidades boas para viver. Como princípio, eu não gosto.

O senhor, que não aprecia carros, também é contra os arranha-céus?
Não, mas acho que eles devem ser erguidos de forma criteriosa. Costumo dizer que planejar grandes torres é a solução mais fácil e preguiçosa para lidar com altas densidades demográficas. O mais difícil é espalhar edifícios baixos nesses grandes centros e mesmo assim torná-los lugares viáveis do ponto de vista econômico, como acontece em Paris e Barcelona. Isso, sim, é tarefa para os bons arquitetos. Precisamos conhecer bem cada lugar antes de decider infestá-lo de arranha-céus. Em países onde venta muito, como Inglaterra, Dinamarca e Holanda, prédios altos demais são contraindicados porque funcionam como barreiras. Ao se chocarem com as grandes estruturas de concreto, os ventos se dissipam e a velocidade com que chegam ao nível do solo pode multiplicar-se por quatro. Evidentemente os arranha-céus são úteis ao acolher muitas pessoas ao mesmo tempo em cidades onde há escassez de terreno. Mas, mesmo nesses casos, é possível erguer prédios altos sem minar o conforto das pessoas. O melhor exemplo que eu conheço é o de Vancouver, no Canadá. Ali, os edifícios mais baixos ficam nas extremidades dos quarteirões enquanto as torres ocupam a parte central. desse modo, o horizonte fica mais limpo. É o contrário do que ocorre em Dubai, por exemplo, apesar de seu conjunto de prédios baseados na arquitetura verde.

As cidades mais verdes são sempre as melhores para viver?
Esse é um dogma com o qual não concordo. O fato de uma cidade ter uma preocupação maior com o meio ambiente não é, absolutamente, garantia de que ela esteja voltada para as necessidades de seus habitantes, que transcendem muito a questão ecológica. Dubai, como já disse, retrata bem isso. Os edifícios de lá foram quase todos erguidos para economizar energia, mas a cidade como um todo não é nada agradável. No fundo, não é nada verde. Faltam áreas onde as pessoas possam caminhar, se esbarrar e se falar, produzindo aquela efervescência típica dos locais bons para viver. Há, em Dubai, áreas onde nem sequer existem calçadas, o que força as pessoas a usar o carro. Não basta, portanto, adotar uma cartilha de regras ecologicamente corretas e achar que isso fará um lugar mais agradável. É preciso ir muito além disso ao pensar os centros urbanos modernos. Eles devem ser como uma boa festa.

Como assim?
Se você fica em uma festa por mais tempo do que planejava, é porque se divertiu. Toda cidade deveria ser como aquela festa que dá certo, em que as pessoas se sentem tão bem e tão à vontade que acabam ficando. Viajo muito e sei que em vários centros urbanos as pessoas têm a sensação de que a vida piora a cada dia. Mas há os bons exemplos de cidades onde os arquitetos não se deslumbraram demais com as formas e olharam para o que interessa: os habitantes e suas necessidades. São esses os casos que devem inspirar governantes e planejadores urbanos.


Fonte: Revista Veja - 29/08/2012

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Governar é inaugurar obras?

 

por Raquel Rolnik*

Outro dia, viajando de carro de Brasília até São Paulo, fui observando as propagandas eleitorais das cidades por onde passei. Me chamou a atenção o fato de que a maioria dos outdoors e cartazes, assim como os spots de rádio e TV, referiam-se a obras inauguradas pelo candidato. Isso tem tudo a ver com a lógica de que prefeito bom é aquele que inaugura obras, de preferência bem visíveis. Lembrei até de um prefeito de uma grande cidade do Centro Oeste que colocava uma plaquinha em cada uma das obras, numerando-as. Uma praça era 387, um ponto de ônibus era 421, e assim por diante. Infelizmente, essa lógica deixa de lado um dos maiores desafios de qualquer cidade que é a gestão e a manutenção de seus espaços e equipamentos.

O que mais existe por aí é obra que é inaugurada e depois abandonada porque o município não tem política permanente de gestão. A lógica predominante, inclusive da própria estrutura de financiamento do desenvolvimento urbano no Brasil, é a dos programas que oferecem recursos para executar as obras, mas o investimento permanente necessário à qualificação das cidades está longe de ser equacionado. Como a lógica é a da visibilidade da obra e do momento sublime de sua inauguração, o tema da gestão fica relegado… mesmo porque até as próximas eleições, outra obra será inaugurada! Por trás desta relação “obra-eleição” está também a lógica da crescente importância da contribuição financeira das empreiteiras para campanhas eleitorais. Obras novas geram novos recursos de campanha num modelo de financiamento eleitoral, prevalente hoje no Brasil, em que os candidatos dependem mais e mais dessas contribuições privadas para poder se eleger em pleitos cada vez mais competitivos e midiáticos.

A questão da gestão e manutenção cotidiana dos espaços e equipamentos de uma cidade é importantíssima. É como na nossa própria casa: se paramos de investir, um dia a torneira quebra, no outro, o ralo entope, e assim, rapidamente, a casa se degrada. Manutenção não é só fazer faxina, é, também, sempre renovar. De novo, conhecemos isso da experiência de nossas casas: reformar é absolutamente necessário para manter a casa sempre em dia com as necessidades de quem nela mora. Mas como a lógica eleitoral é a da fitinha da inauguração da obra, esse assunto não aparece no debate. O que importa é mostrar quem cortou a fita e inaugurou a obra, e quem estava no palanque, participando daquele evento.

Além do mais, diante dos milhares de problemas que uma cidade enfrenta, nem sempre executar uma obra é necessário ou prioritário. Muitas vezes obras desnecessárias são realizadas apenas porque “aparecem”, ou seja, mostram que o prefeito está “fazendo o serviço”. Essa lógica primária cria “o prefeito que trouxe o hospital”, “o prefeito da escola”… Quando vamos superar essa lógica e enfrentar os desafios da gestão urbana no Brasil?

* Raquel é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.