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sábado, 16 de junho de 2012

'O sonho do automóvel acabou' em São Paulo, diz engenheiro

 
Trânsito na avenida 23 de Maio, em São Paulo: o visual é bonito, mas a sensação é insuportável
 
O transporte público deve ser um dos principais temas das eleições municipais deste ano. Em São Paulo, os recordes de congestionamentos se sucedem e os postulantes de PT e PSDB — Fernando Haddad e José Serra — já trocam farpas, acirradas depois do incidente com dois trens do metrô, em 16 de maio.

Aliado do prefeito Gilberto Kassab (PSD), Serra defendeu, durante debate organizado em maio pelo Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) sobre o livro Triumph of the City, de Edward Glaeser (economista da Universidade de Harvard que defende a cidade como geradora de riqueza e qualidade de vida), que a solução para a mobilidade em São Paulo são obras viárias que desafoguem o trânsito do centro e investimentos no Metrô e na CPTM (trens urbanos). Gastar mais com o sistema de ônibus só ajudaria a engarrafar a cidade.

No papel de pedra para atingir eventuais vidraças da gestão Kassab, Haddad e os petistas têm apontado um "apagão nos transportes" em São Paulo.

Obviamente, a questão da mobilidade numa cidade como a capital paulista passa também pelos automóveis particulares — onde a grande questão é: como fazer para não ser necessário tirar o carro da garagem no dia-a-dia?

Em entrevista ao site Spresso SP, assinada por Felipe Rousselet (com Maria Eduarda Carvalho), Horácio Augusto Figueira, engenheiro de tráfego, vice-presidente da Associação Brasileira de Pedestres e defensor do uso intensivo de ônibus (em corredores) como parte da solução para o trânsito urbano, comenta a questão do transporte público versus o particular — e decreta: "O sonho do automóvel acabou em São Paulo".
 
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Horácio Figueira durante debate na Câmara Municipal de São Paulo: "Quem está causando congestionamento na cidade somos nós"
 
Como o senhor avalia o custo/benefício do transporte público em São Paulo?
Horácio Augusto Figueira - Em termos de custo/benefício, fora do horário de pico, dá para você usar como serviço comum. Nos horários de pico, por não ter velocidade compatível nos corredores, os ônibus andam em baixa velocidade e lotados. Não é um serviço de boa qualidade. Para reverter essa situação, teria de ser dada prioridade total para os ônibus no sistema viário e, para isso, você tem de incomodar o usuário de carro, não tem outro jeito. Não tem como conciliar privilégios ao transporte coletivo sobre rodas sem tirar uma faixa dos automóveis. Os R$ 3 que você paga hoje em São Paulo são uma tarifa cara para um serviço de baixa velocidade comercial.

Se houvesse uma boa velocidade o serviço não seria caro, até pela integração entre ônibus e metrô e também pela possibilidade de o usuário pegar três ônibus no período de três horas. O que acontece é um subsídio interno do sistema para aqueles que fazem viagens longas: o usuário que anda poucos quilômetros paga por aquele que vem de mais longe. É caro por isso: um "caro relativo" e não em termos absolutos.
 
Por que isso?
Figueira - Pelo congestionamento imposto pelos automóveis. O poder público não tem a coragem de falar que uma faixa de ônibus transporta dez vezes mais pessoas que a mesma faixa, ao lado, de automóveis. A sociedade e a mídia cobram que existem muitos congestionamentos, [mas] acho que ainda tem pouco. Eu acabaria com o rodízio em São Paulo para a cidade sentir o que é a verdade do automóvel. Todo mundo quer andar de carro, mas não existe espaço físico que comporte mais na cidade de São Paulo. Não tem mais obra viária que vá resolver a questão da mobilidade por transporte individual. Não tem alargamento de marginal, ponte ou túnel que dê conta.

Não sou contra o automóvel. Tenho automóvel, mas me recuso a ir ao centro da cidade com transporte individual. Não cabe, é um problema físico. Você consegue colocar cem pessoas em 1 metro quadrado? Não consegue, e o que estão querendo fazer com o automóvel é isso. A avenida 23 de Maio vai continuar a mesma, e não podemos desapropriar a cidade inteira para entupir com automóveis.

Na Marginal Tietê, prefeitura e governo estadual investiram quase R$ 2 bilhões para alargar, e os congestionamentos voltaram. Aí restringiram os caminhões (leia entrevista sobre o tema), e os congestionamentos voltaram. E agora, quem eles vão tirar? (...) A demanda é tão grande que qualquer avenida inaugurada hoje, em um mês já vai estar entupida.

Quais medidas poderiam ser implementadas para melhorar a qualidade do transporte público numa cidade como São Paulo?
Figueira -
É preciso pegar o espaço viário, todo o que for necessário, para implantação de uma malha de corredores viários. Parece que a prefeitura anunciou a criação, até o fim do ano, de 140 km de faixas exclusivas, o que não é a oitava maravilha do mundo por operar na direita [da via] e ter muita interferência, mas é melhor que nada. Até esperar que se construa um corredor adequado, operando na esquerda, é benéfico operar a faixa exclusiva na direita, que basta pintar, sinalizar e fiscalizar. Esta seria a primeira medida: deixar o ônibus andar.

São quatro questões que o usuário leva em conta na hora de optar por um meio de transporte. Por que as pessoas fogem do ônibus, metrô e trens lotados, indo para o carro? Primeiro, pela velocidade: os ônibus não conseguem andar no horário de pico. Entre um carro que não anda e um ônibus superlotado que não anda, as pessoas com renda maior optam pelo carro.

A questão do rodízio. No dia que meu carro está no rodízio, eu compro e uso uma moto. Assim, aumentam o número de acidentes devido ao risco deste meio de transporte e pela forma como a maioria dos motociclistas conduz seu veículo — uma forma quase que suicida. Olha que loucura: o automóvel veio e congestionou a cidade, e agora pessoas de alta renda estão comprando motos; tenho dados sobre isso. Para fugir do congestionamento que elas próprias criaram e também do rodízio. Então, estamos fugindo de tudo, quando na verdade precisamos pensar em como fazer um choque de oferta.

Precisamos pegar duas faixas, no horário de pico, do corredor da avenida Nove de Julho, do Ibirapuera e do corredor Consolação-Rebouças para operação do transporte coletivo — doa a quem doer — porque então transportaremos em duas faixas 20 mil pessoas por hora, quando eu precisaria de 20 faixas de automóvel para transportar as mesmas pessoas. Uma faixa de ônibus leva dez vezes mais passageiros por hora que uma faixa de automóvel. Basta a decisão política para que isso seja feito.

O pré-candidato à prefeitura de São Paulo, ex-governador José Serra (PSDB), afirmou num debate sobre urbanismo que investir em ônibus em São Paulo iria engarrafar ainda mais a cidade. O senhor concorda?
Figueira -
Iria engarrafar o trânsito de automóveis, mas na verdade é o contrário: são os automóveis que engarrafam o trânsito do transporte coletivo e não deixam os ônibus andarem. (...) O ex-governador que me perdoe, mas quando falaram que iam alargar a Marginal Tietê eu avisei, numa entrevista, que iam jogar nosso dinheiro no lixo. Nas dez faixas da Marginal Tietê passam em média 15 mil automóveis por hora. Se multiplicarmos esse número pela ocupação média de 1,4 passageiro em cada automóvel, dá 21 mil pessoas por hora. Qualquer engenheiro da prefeitura sabe que uma faixa exclusiva para ônibus biarticulados, bastando apenas permitir a ultrapassagem no ponto, consegue transportar com um padrão razoável de conforto todas as pessoas que estão entupindo as dez faixas da marginal.

Se você entrar no site da SPTrans em horário de pico, você vai ver ônibus trafegando em corredores com velocidade média de 5 km/h. A prefeitura sabe disso e não faz nada. Como poderíamos atuar nessa situação? É só verificar o problema e aumentar mais uma faixa para o transporte público pelo tempo necessário. E os automóveis? Não estou mais preocupado com os automóveis. Se continuarmos preocupados com automóveis, não tem mais o que fazer. Posso investir um trilhão de dólares em obras viárias em São Paulo que nunca mais vou conseguir resolver o problema da mobilidade.

O sonho do automóvel acabou na cidade de São Paulo. Ele foi bom há 40 anos, quando era 1 em mil. Hoje, há famílias que têm oito veículos para fugir do rodízio. É o rodízio da hipocrisia: você que é pobre não vai andar, mas eu que sou rico pego meu outro carro.

O metrô e o trem vão resolver o problema? Vão resolver os grande eixos de demanda, mas não da mobilidade de uma cidade que tem mais de mil linhas de ônibus. Você nunca vai ter uma malha de metrô de 2.000 quilômetros nem daqui a mil anos. O sistema de ônibus é aquele que sobe o morro, que atende às ruas de bairros, e muitos dos seus eixos têm de ser estruturadores do sistema de transportes. Por exemplo, a avenida Rebouças, onde operam mais de 30 linhas de ônibus: teríamos de transformar em quatro ou cinco linhas-tronco com ônibus biarticulados, como se fosse um "metrôzinho sobre pneus". Outra medida é implantar um sistema em que ônibus converse com o semáforo por radiofrequência para diminuir a duração do sinal vermelho. Londres implantou isso em 1977 e diminuiu 30% no tempo de percurso, e Curitiba tem há três meses em todos os seus corredores.

Fonte: UOL. Reproduzido com permissão do Spresso SP; a íntegra do texto, que foi condensado para publicação no UOL, está aqui.