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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A nova lógica de planejar as cidades

por Natália Garcia, em 26 de setembro de 2013

Uma hora não teve jeito: alguém precisou botar ordem na bagunça. Foi lá por 3.500 a.C que um homem chamado Hippodamus começou a desenvolver técnicas para ordenar as ruas e edifícios das cidades gregas de Mileto e Pireu. Foi assim que ficou conhecido como o pai do planejamento urbano, uma disciplina que se desenvolveu um bocado nos últimos 4.500 anos sem jamais ficar obsoleta. Bem ao contrário, nunca foi tão necessária. Hoje pouco mais da metade das pessoas do mundo mora em cidades e em 2050 estima-se serão 75%. Acontece que o planejamento urbano ainda tem como principal efeito a construção ou reconstrução de espaços (de moradia, mobilidade, lazer, etc) que organizem o crescimento das cidades. É um ofício que ainda tem o foco central na infraestrutura, no hardware. O aspecto que precisa mudar em sua lógica é passar a pensar nos usos diversos para essa infraestrutura, ou seja, criar novos softwares para as cidades.

Tome como exemplo a foto abaixo:

Ponte Estaiada de São Paulo. Foto: Emerson Alecrim – Creative Commons Share Alike

A ponte estaiada de São Paulo é uma infraestrutura pobre (apesar de cara, custou mais de R$ 200 milhões) porque permite apenas um tipo de uso: carros passando. É como se ela fosse um ipad de última geração com um único aplicativo. Não há nenhuma outra forma de usar esse espaço, nenhum outro software rodando nesse hardware. Agora compare-a com essa foto abaixo:

Paris Plage. Foto: Natália Garcia

Essa avenida que corre à beira do rio Sena é convertida durante o verão em um espaço de lazer para as pessoas, a Paris Plage. Um projeto de software que transforma uma via rápida de passagem em um espaço de permanência e contemplação. A grande vantagem de projetos assim é que eles podem testar as vocações das cidades e nortear seu crescimento a partir daí. Como diz Jane Jacobs, “é tolice planejar a forma de uma cidade sem saber que tipo de ordem inata e funcional ela possui”.

Essa regra vale para pequenas e médias cidades em crescimento. Mas se esse planejamento às avessas condenado por Jacobs já foi feito e resultou em um monte de vias para os carros e pouquíssimos espaços para as pessoas, é hora de planejar novos softwares. São Paulo, por exemplo, tem 17 mil quilômetros de vias e se beneficiaria um bocado do projeto que mudou os usos das ruas de Manhatan em Nova Iorque, transformando avenidas emblemáticas como a Brodway e a Times Square em espaços para pessoas.

Placas para pedestres em Nova Iorque. Foto: Natália Garcia

 
Times Square transformada em espaço para as pessoas. Foto: Natália Garcia

Antigas faixas da Broadway que hoje abrigam uma ciclovia, mesas e cadeiras. Foto: Natália Garcia

Reinventar a lógica de trabalho também é função do planejamento urbano. O projeto Working for Utah, por exemplo, mudou a legislação trabalhista do estado americano de Utah, permitindo que a jornada de trabalho fosse dividida em quatro dias e o fim de semana tivesse três. No primeiro ano foram percorridos 5 milhões de quilômetros de carros a menos e economizados quase R$ 3 milhões. Mas o principal é que 85% dos moradores do estado disseram que são mais felizes trabalhando dessa nova maneira.

É só passando a contemplar projetos de software que o planejamento urbano dará conta de moldar cidades para as pessoas. O sociólogo francês Henri Lefebvre enuncia em seu livro A Revolução Urbana o que deveria ser a regra de ouro das cidades: “a função determina a forma, que determina a estrutura”. Temos que parar de apontar esse vetor para a direção contrária: construir estruturas que determinam as formas e uniformizam as funções. Senão seguiremos construindo pontes estaiadas em vez de Paris Plages.