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domingo, 16 de fevereiro de 2014

A maior experiência de Tarifa Zero no mundo

 
Um ano atrás, no mês de janeiro, a capital da Estônia se tornou a maior cidade do mundo a oferecer transporte gratuito aos seus habitantes. Foto de Vallo Kruuser.


Talim, Estônia — Em janeiro de 2013, Tallinn, capital da Estônia, fez algo que nenhuma outra cidade do seu tamanho fizera antes: ofereceu transporte coletivo gratuito a todos os seus habitantes.

As autoridades fizeram previsões ousadas sobre quais seriam os resultados. Haveria uma enxurrada de novos passageiros nos ônibus e bondes — pelo menos 20% a mais. As emissões de carbono diminuiriam substancialmente à medida que os motoristas deixassem seus carros em casa para utilizar o transporte coletivo. E os cidadãos de baixa renda teriam agora acesso a empregos que antes não tinham. Como costuma dizer o prefeito Edgar Savisaar, zerar os custos do transporte era, para algumas pessoas, tão bom quanto receber um 13º salário.

Um ano depois, esta cidade com 430 mil habitantes se estabeleceu como um exemplo mundial de transporte coletivo gratuito. Talim já sediou duas conferências para autoridades municipais, pesquisadores e jornalistas de toda a Europa para discutir o assunto. A cidade tem um site em língua inglesa dedicado à experiência. E materiais publicitários proclamam Talim a “capital do transporte gratuito”.

A ideia tem se mostrado bastante popular entre os talinenses. Numa pesquisa de opinião, nove entre dez pessoas disseram estar satisfeitas. Pille Saks é uma delas. “Eu gosto do transporte gratuito”, diz Saks, uma secretária de 29 anos que vai de ônibus ao trabalho. “Eu tenho carro, mas não gosto de dirigir, especialmente no inverno, quando as ruas ficam cheias de neve e gelo”.

Diferentes leituras dos resultados

O que ainda não está muito claro, no primeiro ano do transporte gratuito em Talim, é se houve tanta mudança assim. O prefeito Savisaar diz que sim. Ele aponta os dados do início do ano passado, que mostram que o tráfego nos maiores cruzamentos diminuiu 14%, comparando com a semana anterior às modificações. Ele também citou um aumento substancial no número de passageiros do transporte coletivo. “Sempre nos perguntam por que estamos oferecendo transporte coletivo gratuito”, disse Savisaar numa reunião com autoridades europeias e chinesas, em agosto. “Seria mais apropriado perguntar por que a maioria das cidades do mundo ainda não oferecem.”

Porém, pesquisadores do Royal Institute of Technology, da Suécia, que estão avaliando o programa, encontraram resultados mais modestos. Eles encontraram um aumento de apenas 3 % na demanda de passageiros — e atribuíram a maior parte desse aumento a outros fatores, como a melhoria do serviço e a implantação de faixas prioritárias para ônibus. Em sua análise, o transporte gratuito foi responsável por um aumento da demanda em apenas 1,2 %.

Além disso, eles descobriram que a velocidade do tráfego em Talim não melhorou — um sinal de que os motoristas não migraram para o transporte coletivo, como se pretendia. Na verdade, disseram os pesquisadores, a migração modal que aconteceu foi que algumas pessoas estão caminhando menos e utilizando mais o transporte coletivo. O estudo demonstra que transporte gratuito é a segunda melhor estratégia para desencorajar o uso do automóvel, menos do que aumentar o preço dos estacionamentos, da gasolina ou cobrar pelo uso das vias (pedágio urbano).

No entanto, os pesquisadores encontraram evidências de benefícios sociais na questão do acesso à cidade. De todos os distritos de Talim, onde houve maior incremento no uso do transporte coletivo foi em Lasnamäe, uma área densamente povoada por desempregados e com grande concentração étnica de população russa, onde o número de usuários cresceu 10 %.

Uma rua em Talim. Foto do Flickr de Debarshi Ray.
 
Experiências ao redor do mundo

Talim não é a primeira cidade a experimentar o transporte gratuito. Em toda a Europa, diversas cidades menores já o fizeram, desde o final dos anos 1990. Templin, na Alemanha, foi uma delas. Na França, houve as experiências de Châteauroux, Aubagne e alguns municípios vizinhos. Em todas elas, o aumento do uso do transporte coletivo foi substancial quando a tarifa foi extinta.

A experiência mais conhecida foi a de Hasselt, na Bélgica. Depois que Hasselt extinguiu a tarifa dos ônibus, em 1997, seu uso aumentou em mais de dez vezes. Ultimamente, o serviço não tem se sustentado. Enfrentando problemas no orçamento, no ano passado, Hasselt reintroduziu uma tarifa de €0,60, embora jovens, idosos e beneficiários de programas sociais ainda possam usar o transporte de graça.

O título de cidade com transporte gratuito que Hasselt tinha, agora é cada vez mais comum em todo o mundo. Diversas cidades e cidades universitárias nos Estados Unidos têm linhas circulares gratuitas pela área central ou pelo campus. Cingapura tem oferecido trens gratuitos bem cedo, pela manhã, para aliviar a superlotação no horário de pico da manhã. E Chengdu, na China, oferece um mix de todas essas opções: transporte gratuito para idosos, em 44 linhas de ônibus da área central e no horário das 5 às 7 h da manhã.

O que destaca Talim das demais experiências é o tamanho da cidade e seu status de capital de um país europeu. Como berço do Skype e do voto pela internet, Talim guarda a reputação de ser uma cidade inovadora. Portanto, há um sentimento, pelo menos entre os defensores da ideia, de que, se o transporte coletivo gratuito pode funcionar aqui, também pode funcionar em outras cidades grandes.

Aderindo ao movimento

O Social-Democratas, um partido de oposição, foi o primeiro a lançar a ideia em Talim, em 2005. De início, não foi levado a sério. Mais tarde, um ex-prefeito, Hardo Aasmäe, trouxe a ideia novamente num debate em um jornal. O vice-prefeito, Taavi Aas, achou que valeria a pena desenvolver a ideia. Em 2010, uma pesquisa com usuários de transporte coletivo encorajou ainda mais: 49% dos entrevistados demonstraram insatisfação com a tarifa, mais que o dobro dos que se queixaram da superlotação e da demora dos ônibus.

Não havia recursos disponíveis para investimento. A construção das redes de água e esgoto estava prestes a terminar. Por isso, foi possível financiar o transporte com recursos anteriormente destinados à construção da infraestrutura de água e esgoto. A fusão de duas empresas municipais de transporte, uma de ônibus e outra de bondes e trólebus, também trouxe algumas economias.

Interior de um trólebus de Talim. Foto do Flickr de teresaaaa.

O prefeito Savisaar lançou a ideia de tornar o transporte coletivo gratuito no início de 2012. Savisaar disse que a medida reduziria os engarrafamentos e os acidentes de trânsito. “E o que é mais importante”, explica ele, “a extinção da tarifa vai permitir o acesso ao transporte coletivo às famílias de baixa renda”.

Opositores chamaram a ideia de estúpida. Alguns disseram que os recursos seriam mais bem investidos na construção de novas creches. Outros disseram que a ausência de tarifa faria com que mendigos utilizassem os ônibus o dia inteiro, incomodando os demais passageiros.

A administração municipal propôs um referendo à população. O comparecimento às urnas foi pequeno, mas 76 % dos que votaram disseram sim ao transporte coletivo gratuito.

O serviço gratuito começou a operar em 1º de janeiro de 2013. Os turistas ainda têm que pagar a tarifa de €1,60 para usar o transporte coletivo. Mas, para os habitantes de Talim, o valor de €2,00 da direito a um cartão que permite viagens gratuitas ilimitadas dentro da cidade. Os usuários do serviço gratuito precisam passar o cartão por um leitor no momento do embarque e do desembarque, tanto dos ônibus, como dos bondes. Também precisam portar um cartão de identificação, que comprova que residem em Talim.

Repondo as receitas perdidas

A parcela registrada de residentes é crucial para entender como Talim está pagando por tudo isso. Antes, havia 40 mil residentes não registrados, o que significa que viviam em Talim, mas pagavam impostos para outras cidades onde viveram anteriormente. Agora, o transporte gratuito é um incentivo para essas pessoas se registrarem e paragem impostos a Talim.

Triin Rannar é uma das 10 mil pessoas que se registraram como residentes de Talim depois que o serviço de transporte gratuito teve início. Rannar vai de ônibus para o trabalho e estima economizar €23,00 por mês. Foto de Vallo Kruuser.

Triin Rannar é uma delas. Ela se mudou do leste da Estônia para Talim há um ano e utiliza o ônibus para ir ao trabalho, no Centro, todos os dias. A oferta de transporte gratuito inspirou a jovem de 24 anos a se registrar como moradora da cidade. Ela estima que economiza €23,00 por mês por ter se registrado como moradora de Talim.

Rannar não está sozinha. Mais de 10 mil pessoas se registraram como residentes em 2013, quase três vezes mais do que em 2012. Elas incrementaram a receita municipal anual em cerca de €10 milhões — quase tanto quanto a receita perdida da catraca, de €12 milhões. “Se todos os registrados forem contribuintes,” diz o vice-prefeito Aas, “então os custos do projeto de transporte gratuito estarão cobertos.”

Aas observa que as finanças do transporte gratuito serão diferentes em outras cidades. Uma razão para ter funcionado em Talim é que o sistema já era altamente subsidiado antes de se tornar gratuito. Não é o caso de Londres, por exemplo, onde a tarifa paga pelos usuários corresponde a 85 % da receita do serviço de transporte. Tarifa Zero, lá, causaria um grande rombo no orçamento municipal. “É mais fácil tornar o transporte gratuito quando já existe um grande subsídio ao valor da tarifa,” diz Aas. “O subsídio em Talim costumava ser de 70 %. Agora é de 96 %.”

Pode continuar?

Se a decisão de implantar transporte gratuito em Talim valeu a pena, só o tempo dirá. Em 2014, os pesquisadores esperam ter mais conhecimento sobre o impacto do transporte gratuito na economia local. Eles também esperam obter mais dados sobre a migração modal, bem como a forma como vários grupos econômicos estão respondendo à mudança.

Feira de Natal em Talim. Foto do Flickr de Dirk Heitepriem.
  
Politicamente, a grande questão é se Talim será capaz de sustentar o transporte gratuito por muito tempo — ou se seguirá o mesmo caminho de Hasselt. Aas diz que é possível continuar investindo em transporte coletivo mesmo sem a receita da tarifa. “O primeiro ano mostrou que sim, nós podemos,” diz Aas. “Nós compramos ônibus novos. Em cinco anos, queremos substituir todos os ônibus por modelos mais modernos. E uma linha de bonde está sendo renovada, juntamente com a compra de novos bondes.”

Como acredita Aas, transporte gratuito é tão sustentável quanto qualquer outro serviço público. “A educação e a saúde pública são sustentáveis?”, questiona ele. “Ou quão sustentáveis são o alargamento de ruas e a construção de viadutos que, em pouco tempo, são totalmente preenchidos por novos carros?”

Mas Andres Harjo, chefe do departamento de transporte da cidade, diz que é importante lembrar que a gratuidade do transporte não é tudo. O transporte gratuito não será eficaz se os ônibus e bondes forem superlotados, lentos, desconfortáveis e pouco confiáveis. “A gratuidade é apenas uma das medidas para atrair usuários para o transporte coletivo,” diz Harjo. “Eu sinto que, se formos capazes de garantir qualidade ao serviço, o número de usuários do transporte coletivo vai aumentar lenta e continuamente.”

Fonte: Tradução livre a partir de The Atlantic Cities.