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domingo, 15 de junho de 2014

"Potelets" para Maceió

     
Em reportagem publicada no site TNH1, mostrando os inúmeros obstáculos que os pedestres encontram nas calçadas, dentre eles carros estacionados, foi dito que, apenas nos primeiros meses de 2014, a SMTT multou 3 mil carros que estavam estacionados em cima do passeio público, enquanto que em 2013 foram 3.881 multas aplicadas pelo mesmo motivo. Sem parâmetros para comparação, não temos como saber se esse número é alto ou baixo. Foram multados de 3 a 4 mil carros... Mas quantos deixaram de ser multados? Por mais que 3 ou 4 mil multas pareça ser um número alto, ao compararmos com a frota de 150 mil carros da cidade, percebemos que não é tal alto assim.
 
A partir da percepção de quem costuma se deslocar a pé pelas calçadas e sempre se depara com um veículo obstruindo a passagem, as multas estão surtindo efeito? A quantidade de veículos estacionados sobre o passeio público tem diminuído? A própria reportagem mostra que não. E se alguém duvidar, recomendamos que saia a pé pelas calçadas e faça sua própria avaliação.

Uma das soluções para diminuir o número de carros estacionados sobre o passeio público, seria aumentar o número de multas. Acreditamos que a multa deva ter um caráter didático, de ensinar ao motorista, através da punição, aquilo que ele deixou de aprender quando estudou o Código de Trânsito para realizar as provas para tirar sua carteira de habilitação:

"Art. 181. Estacionar o veículo:
(...)
VIII - no passeio ou sobre faixa destinada a pedestre, sobre ciclovia ou ciclofaixa, bem como nas ilhas, refúgios, ao lado ou sobre canteiros centrais, divisores de pista de rolamento, marcas de canalização, gramados ou jardim público:
Infração - grave;
Penalidade - multa;
Medida administrativa - remoção do veículo;"
Fonte: Código de Trânsito Brasileiro (lei 9.503/97)

Quando telefonamos para a SMTT, solicitando que uma viatura venha multar um carro que se encontra em cima da calçada, o(a) atendente sempre argumenta que estão atendendo outras ocorrências e que o efetivo de agentes de trânsito e viaturas é pequeno.


Quem quiser tirar a prova, quando encontrar um veículo sobre o passeio público, basta telefonar para (82) 3315-3590 e esperar a viatura chegar. Ela simplesmente não vai! O caso da imagem acima acontece diariamente na esquina da rua Deputado José Lages com a rua Lourenço Moreira da Silva, no bairro de Ponta Verde.
 

Sobre esse caso específico, já chegamos a protocolar processo na SMTT (sob o número 07100-044249/2014), com cópia para a SMCCU (sob o número 04000-043768/2014), conforme pode ser comprovado no protocolo da Prefeitura de Maceió, incluindo sugestão para disciplinamento do estacionamento de veículos, e até hoje não tivemos qualquer resposta.

Quando telefonamos e a SMTT diz que não tem viatura disponível para atender à ocorrência, argumentamos que a aplicação da multa trará receita para o órgão, para que ele possa comprar novas viaturas e atender melhor à população. Mas não adianta. Nenhuma viatura aparece para atender à ocorrência e os carros continuam estacionados sobre o passeio público.

Portanto, já que a Prefeitura de Maceió se declara incapaz de resolver o problema, temos outra sugestão a dar. Se a SMTT não dispõe de viatura e efetivo de agentes para atender às ocorrências, há uma maneira de fazer com que elas nem ocorram. É muito comum utilizar nas cidades europeias, principalmente em Paris, elementos que impedem que os automóveis invadam o espaço dos pedestres.

Exemplo do uso de balizadores em Paris.

Em francês, esses elementos são chamados de “potelets” que, segundo a definição da Wikipédia, tanto pode se referir aos balizadores de filas como ao “mobiliário urbano para impedir o estacionamento sobre a calçada”. Em Maceió, quando os moradores instalam esses elementos para proteger o muro de suas casas das constantes colisões de automóveis em determinada rua, a Prefeitura se da ao trabalho de demolir esses elementos!


Em congressos e seminários locais que discutem acessibilidade, os próprios deficientes visuais criticam esses elementos, tratando-os vulgarmente como “capa-cego”, o que da a entender que o deficiente visual ficaria estéril ao bater seu órgão reprodutor num desses elementos. Não da para entender! Os deficientes visuais preferem um carro ocupando toda a calçada, impedindo a passagem, a ter um elemento paralelo ao meio fio que impede que os carros invadam o passeio público?

Os parisienses, bastante críticos da estética urbana, não são fãs dos potelets, apesar de reconhecerem sua utilidade para evitar que as calçadas sejam dominadas por automóveis. Uma maneira de evitar que as calçadas sejam utilizadas como estacionamento, garantir sombras agradáveis, amenizar a temperatura e favorecer a estética é através do plantio de árvores, tão necessárias para o nosso clima e tão escassas em nossa cidade.

Exemplo de rua arborizada em Praga, Capital da República Tcheca.

Outra sugestão para a Prefeitura (que depende dos vereadores) é a da supressão do artigo 339 do Código de Edificações e Urbanismo (lei municipal 5.593/2007), que impede o poder público municipal de realizar qualquer benfeitoria no passeio público, sendo esta uma obrigação do proprietário do lote adjacente.

Da mesma maneira que a Prefeitura se declara incapaz de punir os motoristas que estacionam seus carros sobre o passeio público, também deve se declarar incapaz de exigir que os proprietários dos imóveis construam e mantenham suas calçadas adequadas à norma de acessibilidade, visto que a precária situação das calçadas não muda. Entra prefeito e sai prefeito e tudo continua como está.

Portanto, com a supressão do artigo 339, a obrigação de construir e manter os passeios públicos deixaria de ser do privado e passaria a ser do poder público (o que parece óbvio, já que a calçada é um espaço público de circulação de pedestres, assim como o leito carroçável é um espaço público de circulação de veículos). Sabemos que a Prefeitura não tem recursos para reformar todos os passeios públicos da cidade da noite para o dia. Porém, também sabemos que é comum toda gestão municipal recapear o asfalto que está degradado pelo intenso tráfego de veículos.

A nossa sugestão é que, todas as vezes que a Prefeitura se dispusesse a reformar o asfalto do leito carroçável, destinasse parte do orçamento dessa obra para a reforma do passeio público daquela mesma via. Assim, pouco a pouco, as calçadas da cidade iriam sendo reformadas. E como os pedestres não degradam o passeio público da mesma maneira que os pesados veículos, não seria necessário reformar a mesma calçada sempre que a rua fosse recapeada. Então, sobrariam recursos para recapear outras calçadas.

O descaso com o passeio público, a transferência da responsabilidade para o privado e a ausência de fiscalização é comum na maioria das cidades brasileiras, mas não é comum em outros países. O descaso dos gestores brasileiros é provocado, principalmente, pela inércia e pelo medo de errar. Os gestores brasileiros, menos preocupados em fazer o certo e mais preocupados com os votos que terão na candidatura a reeleição, sabem que proibir que automóveis estacionem sobre as calçadas, inevitavelmente diminuiria o espaço viário disponível e provocaria insatisfação dos motoristas. Aumentar o espaço dos automóveis na cidade tem sido o principal alvo perseguido pelas gestões municipais desde a segunda metade do século XX, quando o país deixou de lado o transporte coletivo sobre trilhos e fez a opção pelo transporte rodoviário individual.
  
O ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, em visita ao Brasil, deixou um recado para os prefeitos das cidades brasileiras...
  
Visita de Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, à cidade de São Paulo
  
O atual prefeito de Maceió, Rui Palmeira, visitou Bogotá em abril de 2014. Ainda aguardamos que ele plante por aqui as sementes que trouxe de lá.
 
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