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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Duplicação da rodovia AL-101 Norte


Aconteceu, na manhã de hoje, no auditório da Escola Fazendária, no bairro de Jacarecica, audiência pública para tratar do processo de licenciamento ambiental da obra de duplicação da rodovia AL-101 Norte. A audiência foi convocada, por meio do Diário Oficial do Estado de Alagoas, de 22/12/2015 (pg. 29), pela Secretaria de Estado de Transporte e Desenvolvimento Urbano - SETRAND, por determinação do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas – IMA-AL.


A audiência teve início às 10h15, com a composição da mesa, seguida pela apresentação (vídeo) do projeto de duplicação da rodovia feita pela Sra. Andreia Estevam, representante da SETRAND. Após sua apresentação, o Sr. Carlos dos Anjos foi convidado para apresentar o “estudo ambiental” (vídeo) realizado pela empresa ATP/Green Consult do Brasil.

Às 11h, foram abertas as inscrições para intervenções do público. Dentre as falas, podemos citar algumas considerações feitas pelos presentes:


1) Alberto Fonseca (vídeo), promotor responsável pela Promotoria do Meio Ambiente, do Ministério Público Estadual, questionou a data escolhida para a realização da audiência, imprópria para a efetiva participação da população, devido à ausência de pessoas da cidade, por conta dos festejos de final de ano, e dos órgãos públicos que se encontram em recesso, bem como o prazo curto para a convocação da audiência (inicialmente em 18/12, corrigido no Diário Oficial de 22/12). Fonseca também questionou a não publicação em Diário Oficial da abertura do processo de “Licença Ambiental de Instalação”, sendo publicado apenas o processo de “Licença Ambiental Prévia” feita pela SETRAND ao IMA-AL, quando já há placa na rodovia indicando o início da obra em 18/01/2016.


2) Daniel Moura, arquiteto e urbanista, apresentou posicionamento contrário à realização da obra e dividiu sua fala em três pontos:

2.1) Falta de planejamento participativo — Segundo Daniel, é muito comum ouvir da população e de gestores públicos que “Maceió é uma cidade que não foi planejada”, para justificar os problemas que a cidade tem hoje. Mesmo discordando dessa afirmação (pois houve sim planejamento ao longo das décadas, o que não houve, e continua não havendo, é a participação da população nas decisões), Daniel aponta a duplicação da rodovia AL-101 Norte como mais uma obra que será feita sem a participação da população no processo de planejamento. Desde 17/10/2015, vem sendo realizada a revisão do Plano Diretor de Maceió (que é de 2005), e em nenhum momento, o projeto de duplicação foi apresentado ou discutido nas 3 audiências e 10 oficinas realizadas até agora para a revisão do Plano Diretor. Ésio Melo (vídeo) e Renan Silva (vídeo), membros do Conselho Municipal do Plano Diretor confirmaram o que foi dito por Daniel. Andreia Estevam, que é representante da SETRAND no Conselho, disse que o projeto está sendo discutido num “núcleo de Mobilidade Urbana”, do qual Ésio Melo, Renan Silva e Daniel Moura (que participaram das 13 reuniões para revisão do Plano Diretor) nunca ouviram falar.

É importante destacar aqui que, em abril desse ano, a Prefeitura de Maceió tentou implantar uma ciclofaixa na rua Deputado José Lages, no bairro de Ponta Verde, com cerca de 1 km de extensão, que seria nada mais do que a sinalização do espaço viário, delimitando o espaço por onde as bicicletas deveriam circular. A Associação Brasileira de Bares, Restaurantes e Similares – Seccional Alagoas – Abrasel/AL, preocupada com as vagas de automóveis (em espaço público!) que seus clientes perderiam, entrou com Mandado de Segurança solicitando a suspensão da intervenção realizada pela Prefeitura, que foi concedida pelo juiz Antonio Emanuel Dória Ferreira, com o argumento de que não houve planejamento e participação popular, cobrando estudos mais aprofundados para a implantação da ciclofaixa no local. Ora! Se uma simples pintura de ciclofaixa numa rua com 1 km de extensão precisa de estudos mais aprofundados e ser planejada com a participação popular, por que a duplicação de uma rodovia com 5,8 km de extensão, passando por três bairros e custando mais de R$ 40 milhões não precisa?

2.2) Conceito urbanístico — Daniel também argumentou que, urbanisticamente, essa obra de duplicação é inaceitável, pois promete resolver o que não vai resolver e ainda cria mais problemas e custos para a cidade. O discurso do governo é o de que a duplicação melhorará o trânsito (de automóveis) na região. Esse é um conceito da década de 1950, auge do rodoviarismo no Brasil, de quando se acreditava que resolver-se-iam os problemas de mobilidade oferecendo mais espaço para os automóveis. Em analogia, seria o mesmo que uma pessoa que está engordando afrouxar seu cinto, em vez de fazer exercícios físicos e/ou melhorar sua alimentação. Obras que buscam melhorar a mobilidade urbana oferecendo mais espaço para os automóveis só estimulam ainda mais o uso do automóvel, voltando aos problemas iniciais de congestionamentos. A própria rodovia AL-101 Sul, cuja duplicação foi inaugurada em setembro de 2012, já apresenta os mesmos congestionamentos que apresentava antes de ser duplicada. Ou seja, foi dinheiro público (R$ 196 milhões) desperdiçado:

Rodovia AL-101 Sul, num sábado, 02/01/2016, às 17h56, logo após o viaduto do trevo da Praia do Francês, sentido Maceió.

Há quem diga que, se a rodovia AL-101 Sul não tivesse sido duplicada, o congestionamento estaria pior. Isso é uma meia verdade. Quando a via é duplicada, há uma percepção de melhoria pelos usuários, que voltam a trafegar novamente por ela, novos empreendimentos imobiliários surgem se valendo da facilidade de tráfego, aumenta novamente o número de carros e os congestionamentos retornam. Isso vai acontecer infinitamente, seja qual for o número de pistas oferecidas. É o que os especialistas chamam de “demanda induzida”. O exemplo abaixo mostra uma via com 23 pistas de largura, nos EUA, e que mesmo assim apresenta congestionamento:

Houston’s Katy Freeway, Texas, EUA
Fonte: StreetsBlog USA
 
O que vem se buscando, mundo afora, nas cidades onde os recursos públicos são tratados com seriedade, é justamente o oposto: restringir o espaço do automóvel, reestruturar o transporte coletivo e incentivar o uso de veículos de propulsão humana. O conceito de TOD (Transit-oriented development) vem sendo utilizado em diversas cidades do mundo e mesmo do Brasil (como Curitiba) e visa ocupar o território urbano de maneira mais racional, induzindo a ocupação em função da rede de transporte coletivo, com maior densidade populacional, que incentiva o uso da bicicleta e do caminhar (reduzindo as viagens motorizadas de curta distância). Este modelo de cidade é mais econômico do ponto de vista da infraestrutura urbana, por sua alta densidade, como mostra Mascaró, no gráfico abaixo:

 
Fonte: MASCARÓ, Juan Luís. Desenho Urbano e custos de urbanização. Porto Alegre, MHU, 1987

A cidade rodoviária espraiada (tal qual propõe a duplicação da AL-101 Norte), construída em função do automóvel, é insustentável, pois, assim como acontece com os gases, quanto mais espaço é oferecido ao automóvel, mais espaço ele ocupará. Além do que, para que os automóveis consigam circular, a densidade populacional precisaria ser extremamente baixa, o que elevaria os custos de infraestrutura urbana apresentados no gráfico anterior. Daniel chegou a questionar a representante da SETRAND sobre qual a previsão de incremento populacional que se projeta para os bairros do litoral norte da cidade, que hoje concentra cerca de 20 mil habitantes (IBGE, 2010), ou seja, apenas 2% da população de Maceió. A resposta da representante da SETRAND foi: “Nós não temos esses dados”.

O que vem sendo pactuado nas discussões da revisão do Plano Diretor é o conceito de “cidade compacta”, a fim de evitar a expansão horizontal da cidade, de ocupar os vazios urbanos presentes na cidade consolidada, como forma de garantir um melhor aproveitamento da infraestrutura urbana e com isso, reduzir os custos de urbanização pagos pela sociedade (sistema viário, saneamento básico, coleta de lixo, transporte coletivo, etc). Daniel apresentou a proposta de zoneamento que foi elaborada por arquitetos e urbanistas em oficinas realizadas no Conselho de Arquitetura e Urbanismo, durante os meses de novembro e dezembro deste ano, para ser encaminhada para o processo de revisão do Plano Diretor, com o intuito de adensar a cidade consolidada e evitar a expansão horizontal.
    
    
2.3) Democracia “representativa” — Não tendo interesse em realizar um amplo debate com a sociedade sobre os benefícios (se é que existem) e os prejuízos da duplicação da rodovia para a cidade, os representantes do governo poderiam dizer que o governador é representante da sociedade, pois foi eleito democraticamente pelo voto popular. Nas palavras de Jessé de Souza:

"O cidadão brasileiro tem de ter acesso a informações contraditórias, a opiniões divergentes. Porque, sem isso, o voto é desqualificado, manipulado."

Nossa democracia não é perfeitamente legítima, pois os candidatos eleitos quase sempre são aqueles que tiveram maior financiamento de sua campanha eleitoral, que tiveram mais recursos para usar na propaganda eleitoral. Comumente, as empresas que financiam os políticos mais votados, seja da eleição majoritária, seja da proporcional, são as mesmas. Basta conferir no site do TSE. Ou seja, depois de eleito o candidato, é óbvio que as empresas que financiaram sua campanha cobrarão o retorno do “investimento” que fizeram. Com isso, mesmo que se tente explicar ao governante que tal obra elevará o custo per capita de urbanização, à medida que a infraestrutura de uma área maior da cidade será rateada por um número menor de pessoas, essa conta não interessa ao governante. O que interessa ao governante é atender aos interesses das empresas que financiaram sua campanha eleitoral e que o financiarão nas próximas: ampliar a rede viária, ampliar a rede de abastecimento d’água, de esgoto e drenagem, ampliar o serviço de coleta de lixo, aumentar as vendas das concessionárias de automóveis na cidade, aumentar a venda de combustível, ampliar as distâncias percorridas pelas empresas de ônibus (com consequente aumento da tarifa para o usuário), em resumo, favorecer a expansão imobiliária, para que construtoras possam implantar seus loteamentos e vender seus apartamentos luxuosos na região do litoral norte de Maceió, uma região de paisagens exuberantes, mas de ecossistema frágil e inadequado ao adensamento populacional, onde se encontram dezenas de fozes de rios e riachos. Ou seja, a lógica do governante não é a do que é mais econômico e sustentável para os cidadãos. É a lógica do que é mais lucrativo para as empresas que financiam suas campanhas eleitorais. A duplicação da rodovia AL-101 Norte faz parte do mesmo pacote de obras que vem sendo realizadas pela Prefeitura de Maceió, que decidiu alocar R$ 68 milhões do PPA 2014-2017 nos bairros de Cruz das Almas e Jacarecica para expandir os negócios das empresas do setor imobiliário na região.
 
 
Após a fala de Daniel Moura, a representante da SETRAND respondeu da seguinte forma:

"A cidade cresceu. A gente não pode virar as costas. A gente não pode esperar que o trem chegue lá, porque não chegou nem em Jaraguá. O trem tá tentando chegar em Jaraguá há quantos anos? De fato, a teoria é linda: transporte de massa, ferroviário... esse sim é que devia estar... o Brasil parou quando resolveu apostar no rodoviário e agora ele tá tentando correr atrás do prejuízo. Agora, na hora que você diz que o litoral norte todinho faz parte do perímetro urbano da cidade, você tem que enfrentar! Não pode ficar esperando que o trem chegue lá. Ninguém faz um omelete sem quebrar os ovos. Bote isso na cabeça! Uma coisa é você planejar a cidade do nada. Outra coisa é você pegar a cidade já com 1 milhão de habitantes e tentar minimizar, porque não é nem planejar! É correr atrás do prejuízo."


3) Ésio Melo (vídeo), participante do movimento Abrace a Garça (que defende a preservação ambiental do bairro de Garça Torta e demais bairros do litoral norte de Maceió) e membro do Conselho do Plano Diretor de Maceió, criticou a falta de discussão do projeto de duplicação da rodovia com a sociedade, visto que vários comerciantes e moradores das margens da rodovia presentes à audiência afirmaram estar tomando conhecimento do projeto apenas hoje, quando já há um outdoor informando sobre o início da obra no dia 18/01/2016.

Ésio também criticou os impactos ambientais que a obra trará com o aumento populacional nos bairros do litoral norte que, segundo ele, será a repetição dos erros cometidos nos bairros de Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca, que têm suas praias impróprias para banho, devido à poluição que a cidade despeja no mar.

4) Nichole Dellabianca, arquiteta e urbanista, disse que participou, no dia 17/12/2015, da 13ª edição do Fórum Sustentável de Maceió, onde o Governo de Alagoas apresentou a proposta de contratar, por meio de Parceria Público-Privada - PPP, 100% do esgotamento sanitário de Maceió (hoje apenas 30% da cidade é atendida) até o final de 2018 e que pretende implantar cerca de 70% da rede no mesmo prazo. Como sabemos que habitação, saneamento e mobilidade não podem estar desconectados, Nichole cobrou que, antes de se realizar a obra de duplicação, seja implantado o sistema de coleta de esgoto, de modo a evitar o desperdício de recursos públicos cavando a rodovia, depois de pronta, para implantar a tubulação coletora de esgoto. Após a fala de Nichole, várias pessoas pediram que outras audiências sejam marcadas para debater o projeto com mais detalhe.

Andreia Estevam, representante da SETRAND, respondeu:

"Na realidade, essa reunião foi mais para o Estudo de Impacto Ambiental, não foi para conhecer o projeto. Acredito que, para o projeto, deverá haver uma mais detalhada.
[...]
Uma cidade que vive do turismo deveria priorizar o saneamento. Maceió está elaborando seu Plano Municipal de Saneamento Básico e o Estado participa. A Bacia do Litoral Norte, foi agora, recentemente, o primeiro mapa que a gente tem da bacia foi disponibilizado (acho que) mês passado, agora em novembro. Tá estudando qual seria a melhor forma de tratamento: se emissário, se Lagoa de Estabilização, o que for... Tá em discussão. Participem do Plano Municipal de Saneamento! Essa obra, no seu escopo, não tem saneamento. Mesmo porque, iria ligar nada a nada, porque se não tem ainda que forma vai ser tratada, que destinação, se emissário, onde vai ser, se vai ser bacia, onde vai ser, tem que esperar... E acredito que a cidade não para. É como trocar o pneu do carro com o carro andando."

    
Daniel Moura argumentou que, se os recursos são escassos e tem que optar entre construir a rodovia ou implantar o saneamento, é melhor que se faça primeiro o saneamento: "Nós vamos expandir a cidade sem antes resolvermos as necessidades básicas?"

Andreia continou:

"Os programas federais já vêm indicados para que infraestrutura será feita. Então, se abriu recurso para rodovia, pega-se; Abriu recurso para saneamento, pega-se. Esse, veio específico para rodovia. Por que a AL? Porque ela é uma rodovia. Ela, de fato, promove a integração regional (Pernambuco-Alagoas). O recurso não dá para fazer ela toda. Então vai fazer por partes. Infelizmente é assim que a coisa pública funciona..."
  
Daniel Moura disse que não deveria ser assim (sem um planejamento integrado), que essa é a forma errada como a coisa pública funciona.

Andreia continuou:

"...A gente não tem, nesse momento de crise, o recurso para fazer a AL-101 Norte todinha, até a fronteira. Seria o ideal!"
    
 

5) Lara Tapety (vídeo) (participante do movimento Abrace a Garça) e Bruno Stefanis (representante do Instituto Biota) criticaram o questionário realizado com moradores da região, sobre serem a favor ou contra a duplicação da rodovia. Segundo eles, além de apresentar perguntas tendenciosas, com respostas apenas de “sim” ou “não”, não foram apresentadas outras soluções, como o VLT ou a melhoria do transporte coletivo na região. Também alertaram que, estatisticamente, o universo de pessoas questionadas, 100, num total de 20 mil habitantes não é representativo.
 
Lara também criticou a data escolhida para a audiência pública e a necessidade de aprofundar o debate com a população, apontando os impactos positivos e os impactos negativos da duplicação da rodovia, pois, mesmo que os impactos positivos sejam em maior quantidade, segundo o que foi apresentado pela consultoria que elaborou o “estudo ambiental”, os impactos negativos podem ser mais graves, como os inúmeros casos de perdas de vidas de pedestres e ciclistas que ocorreram na rodovia AL-101 Sul, após sua duplicação.


6) Renan Silva (vídeo), arquiteto e urbanista, membro do Conselho do Plano Diretor de Maceió apontou a insustentabilidade de uma obra que tem o intuito de ofertar mais espaço para circulação de automóveis. Renan disse considerar “incrível que, ainda hoje, estejamos discutindo investimentos em infraestrutura rodoviária, quando o mundo todo está na contramão, porque percebeu que isso não dá certo". Renan também questionou como uma cidade carente de recursos, como Maceió, não investe em necessidades básicas, como o saneamento básico (Maceió tem apenas 30% do seu território atendido por rede de esgoto), segurança pública, saúde pública, e vai gastar recursos da ordem de R$ 45 milhões com uma obra que já se sabe ser insustentável.
 
Renan pediu para que cada um dos presentes pensasse no conceito de “desenvolvimento”, pois obras como essa são apresentadas por governos como sinônimo de desenvolvimento e questionou se isso realmente representa desenvolvimento. Renan disse compreender que as pessoas acreditem que esse tipo de obra representa desenvolvimento, pois, há mais de cinco décadas que esse modelo de mobilidade urbana focado no automóvel é “empurrado goela abaixo” dos cidadãos, seja pela mídia, seja pelos governantes.

Renan lembrou que Maceió já teve um sistema de bondes, do final do século XIX até a metade do século XX. Hoje, inúmeras cidades do mundo estão reativando seus bondes e Maceió continua insistindo na mobilidade focada no automóvel. Renan citou o processo de substituição dos bondes por automóveis/ônibus apresentado no documentário Taken For A Ride, de 1996.
  
Renan apresentou os dados que já apresentara em 05/08/2015, na audiência pública realizada no Ministério Público Federal, onde se debateu sobre a intenção do mercado imobiliário de construir torres de apartamentos no litoral norte de Maceió. Segundo Renan, há hoje cerca de 3 mil carros registrados nos bairros do litoral norte de Maceió (com exceção de Jacarecica e Cruz das Almas). Apenas com as 21 torres de apartamentos que estão aprovadas para a região, deverão ser acrescentados 5 mil automóveis à frota desses bairros.
  
Outras falas, não menos importantes, também foram feitas, principalmente por empresários e moradores da região, que se disseram pegos de surpresa com o início da obra previsto para 18/01/2016, sem que houvesse qualquer discussão pública com a comunidade. A audiência foi encerrada às 12h40.

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Leia também:

- O espraiamento de Maceió - 09/05/2014
 
- Transporte ferroviário pode ser solução para a mobilidade urbana - 11/04/2010
 
- Ufal debate Mobilidade Urbana - 27/11/2013
 
- Os Planos e as obras - 20/04/2011
 
- A Cidade das Curtas Viagens - 25/10/2010
 
- Ideias equivocadas - 17/06/2010
     
      

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

1ª Reunião do Conselho Municipal do Plano Diretor


Na manha de hoje, na sede da Procuradoria Geral do Município, aconteceu a primeira reunião do Conselho Municipal do Plano Diretor. A criação do Conselho está prevista nos artigos 182 e 183 da Lei municipal nº 5.486/2005 (Plano Diretor de Maceió).

Dentre as atribuições do Conselho, estão:

"Art. 1º

(...)

I - acompanhar a aplicação dos instrumentos do Plano Diretor de Maceió com vistas ao aperfeiçoamento institucional e social dos instrumentos da legislação municipal referentes à matéria;

II - divulgar perante a sociedade o conteúdo do Plano Diretor com objetivo de conscientização social sobre a sua importância, bem como dos seus instrumentos de gestão, operacionalização e controle;

III - discutir a eficácia dos princípios, diretrizes e regras estabelecidas no Plano Diretor de Maceió, com vistas à operacionalização dos seus institutos;

IV - propor a discussão acerca do processo de desenvolvimento urbano do Município de Maceió, observados os princípios de proteção ao meio ambiente, garantia da manutenção e ampliação da infraestrutura urbana, utilização dos espaços públicos, inclusão social e gestão integrada e compartilhada do desenvolvimento urbano;"
(Resolução Colegiada nº 001, de 23/10/2015 - Regimento Interno do Conselho Municipal do Plano Diretor de Maceió)

Compõem o Conselho as seguintes entidades e seus representantes:

Entidades de ensino e científicas:
- UFAL – Profª. Débora Cavalcanti
- CESMAC – Profª. Carlina Rocha
- UNIT – Prof. Renan Silva

Entidades de classe:
- SINDUSCON – Sr. Hélio Abreu
- SENAI – Sr. Maurício Breda
- SEBRAE – Sr. Marcos Vieira

Associações de Moradores:
- Assoc. Conj. José Tenório – Sra. Célia Regina
- União de Mov. por Moradia em AL – Sr. Cláudio dos Santos
- Mov. de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas – Sr. Ésio Melo

ONGs:
- IAB/AL – Sra. Isadora Padilha
- IDEAL – Sra. Sandra Amália
- Instituto Casa Viva – Sra. Eliane da Silva

Órgãos e entidades públicas:
- CBTU / Gov. Federal – Sra. Taiane Gonçalves
- SETRAND / Gov. Estadual – Sra. Andréia Estevam
- Câmara de Vereadores / Gov. Municipal – Ver. José Márcio

Com todos os conselheiros presentes, a reunião foi iniciada às 9h30 e teve como primeiro item de pauta a discussão e votação do Regimento Interno do Conselho. Após exaustiva discussão e alterações feitas pelos conselheiros, o Regimento Interno foi aprovado às 13h10, quando foi iniciada a discussão do próximo ponto da pauta: a formação de grupos de apoio ao Conselho.

Na 1ª audiência pública para revisão do Plano Diretor de Maceió, ocorrida em 13/10/2015, o secretário municipal de planejamento, Sr. Manoel Messias, sugeriu a inclusão dos seguintes grupos de apoio ao Conselho Municipal do Plano Diretor.


O grupo permanente de apoio técnico já havia sido aprovado durante a discussão do Regimento Interno, constante em seu art. 10. Restava a discussão e aprovação do grupo de Movimentos Sociais Temáticos.

Durante a audiência do dia 13/10/2015, também reivindicaram participação, no grupo de apoio, a Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Alagoas – Ademi-AL e o Instituto Biota de Conservação. Durante a reunião de hoje, o Sr. Hélio Abreu, representante do Sinduscon, sugeriu a retirada do Movimento Abrace a Garça e a inclusão da Ademi-AL.

Depois de uma longa discussão sobre o que é e o que não é um “movimento social”, foi decidido entre os conselheiros que seriam incluídos a Ademi-AL e o Instituto Biota à lista inicial proposta pelo secretário de planejamento e que seria feita a votação nominal entre os conselheiros para eleger os três movimentos (apenas três, conforme art. 10, II do Regimento Interno).

Nesse momento, três conselheiros (Sra. Carlina Rocha, Sr. Cláudio dos Santos e Sr. Marcos Vieira) já tinham se ausentado da reunião e, portanto, restavam apenas doze. Realizada a votação, ficou decidido que os movimentos que comporão o grupo de apoio serão: Bicicletada de Maceió, Movimento Abrace a Garça e Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas – Adefal.


Ficamos surpresos com a quantidade de votos recebidos pela Bicicletada. Apenas a Sra. Eliane da Silva se absteve da votação, por não concordar com a definição que fora entendida pelo Conselho sobre o significado de “movimentos sociais”. Com exceção da Sra. Eliane, todos os conselheiros presentes votaram na Bicicletada para compor o grupo de apoio do Conselho do Plano Diretor, totalizando onze votos.

Na prática, esse “grupo de apoio” não tem muita importância, pois não tem direito a voz, nem voto, nas reuniões do Conselho. Contudo, a expressiva votação do movimento Bicicletada, sem que fosse necessário fazer qualquer campanha entre os conselheiros, é uma honra. É o reconhecimento da maneira séria com que os participantes do movimento tratam dos assuntos referentes à mobilidade urbana em busca de uma cidade mais humana e mais justa. Ser indicado e eleito sem fazer qualquer campanha, a nosso ver, é a plena democracia.

  

sábado, 17 de outubro de 2015

Início da revisão do Plano Diretor Participativo de Maceió


Na semana que passou, teve início o processo de revisão do Plano Diretor Participativo de Maceió. O Plano vigente, Lei municipal nº 5.486 data de 30/12/2005. A necessidade de revisão do Plano foi motivo de cobrança da sociedade civil, em Audiência Pública realizada em 05/08/2015, no Ministério Público Federal, para discutir os efeitos da pressão que o mercado imobiliário vem exercendo no Litoral Norte de Maceió para expansão da verticalização da cidade naquela direção.
 
Audiência realizada no Ministério Público Federal de Alagoas, em 05/08/2015, para debater sobre os impactos da verticalização da região do Litoral Norte de Maceió.

A Câmara de Vereadores de Maceió já vinha se reunindo com setores ligados ao mercado imobiliário e com o Poder Executivo Municipal, desde junho de 2013, para debater a revisão do Plano. Outras três reuniões aconteceram em agosto, setembro e outubro do mesmo ano. Contudo, só agora, em outubro de 2015, a Prefeitura de Maceió decide convidar os cidadãos para a revisão do Plano Diretor PARTICIPATIVO de Maceió.

O processo de revisão teve início, de fato, a partir da publicação, no Diário Oficial do Município do dia 25/09/2015, do Edital de Convocação do Processo de Revisão do Plano Diretor de Maceió. Neste edital, foram agendadas “Reuniões de Sensibilização” nos dias 05 e 06 de outubro de 2015, com horários divididos para quatro segmentos da sociedade: 1) entidades civis; 2) sindicatos e demais entidades de classe; 3) movimentos sociais e populares; 4) segmento representativo dos Governos Federal, Estadual e Municipal, Ministério Público e Poderes Legislativos Estadual e Municipal.
  
Uma das quatro Reuniões de Sensibilização. Esta, ocorrida na tarde do dia 06/10/2015, na sala 02 da Procuradoria Geral do Município.

No último dia 13, foi realizada a primeira “Audiência Pública de abertura oficial dos trabalhos”. Os objetivos dessa audiência eram, segundo o edital:

(a) a pactuação da metodologia de revisão, com a exposição das formas de coleta, armazenamento e distribuições de informações, estudos e documentos produzidos;

(b) estabelecimento das formas de participação popular e contribuições pela sociedade civil organizada e segmentos representativos;

(c) fixação do cronograma de execução das primeiras oficinas temáticas sucessivas à 1ª Audiência Pública e designação, ao final, da data da 2ª Audiência Pública;


A audiência iniciou às 9h30 (1h30 após o horário determinado no edital) e encerrou às 13h50 (0h50 após o horário determinado no edital). O Movimento Abrace a Garça entregou documento e se manifestou oralmente sugerindo mudança na metodologia e no cronograma do processo de revisão (que era o objetivo dessa audiência), mas a proposta sequer foi colocada em votação.
 

Na tarde do próprio dia 13/10/2015 e nas tardes dos dias 14 e 15/10/2015, ocorreram, conforme previsto em edital, as “oficinas técnicas com os segmentos”. Também divididas por segmentos (assim como as reuniões de sensibilização), as oficinas contaram com uma breve apresentação, por parte da empresa Porto Marinho, contratada para coordenar o processo de revisão do Plano Diretor Participativo de Maceió, de um panorama das questões mais relevantes, segundo a consultoria, a serem tratadas no Plano Diretor.

Segundo os consultores, a empresa Porto Marinho vinha desenvolvendo um planejamento estratégico para a Prefeitura de Maceió, denominado “Maceió +25”, desde 2014 e, em razão da necessidade de revisão do Plano Diretor Participativo, trouxe para a discussão aquilo que já vinha desenvolvendo no planejamento estratégico. A imagem abaixo foi apresentada como síntese daquilo que a consultoria Porto Marinho enxerga como principais desafios de Maceió para os próximos 25 anos.


Após a apresentação, nos três dias de oficina, foi solicitado dos presentes que escrevessem em folhas de papel, de três cores diferentes, quais são os principais desafios de Maceió para os próximos 10 anos. Cada cor de papel deveria tratar de um dos temas: vermelho, “Ambiente e Paisagem”; azul, “Adensamento e Reabilitação”; e amarelo, “Mobilidade e Centralidade”.


Escritas as contribuições, cada cidadão tinha o direito de apresentá-la / defendê-la em até 3 minutos para a plateia. As contribuições apresentadas por nós foram as seguintes:

1) tema “Ambiente e Paisagem”:
- Preservação das árvores nativas e investir em arborização.
- Saneamento básico para os 70% da cidade que não são atendidos.
- Despoluição das praias, rios e lagoa.
- Proteger a visão da paisagem natural através do controle do gabarito das edificações.

2) tema “Adensamento e Reabilitação”:
- Adensar a cidade consolidada através dos principais eixos existentes, direcionando investimentos públicos à melhoria da infraestrutura existente.
- Impedir a expansão horizontal da cidade, principalmente em direção ao Litoral Norte.
- Garantir o acesso da população de baixa renda à cidade formal, provendo habitação de qualidade próxima aos centros urbanos.
- Reduzir o perímetro urbano para o limite da área urbana consolidada, de modo a impedir a expansão horizontal da cidade.

3) tema “Mobilidade e Centralidade”:
- Reorganizar o espaço viário:
    - reduzir o espaço do automóvel;
    - aumentar o espaço para pedestres, ciclistas e transporte coletivo.
- Transferir a responsabilidade sobre o passeio público do proprietário do lote para o poder público, de modo a obter sua padronização e garantia da acessibilidade.
- Educação constante sobre Mobilidade Urbana nas escolas.
- Deveria haver interação entre os diversos projetos que são apresentados pela Prefeitura, no que se refere à mobilidade urbana, e o Plano Diretor: VLT da Av.Fernandes Lima / BRT da Av. Menino Marcelo / US$ 60 milhões de empréstimo no BIRD para uma via na lagoa (interesse do setor imobiliário) / Duplicação da AL-101 Norte / Viaduto da Cambona / Vale do Reginaldo / Teleféricos/Funiculares / Via litorânea de Cruz das Almas / Ecovia Norte

Todas as contribuições foram fixadas na parede e foram fotografadas e transcritas por nós. Caso queira ler a transcrição de todas as contribuições, clique aqui.
    
1ª oficina, realizada no auditório da UNIT, em 13/10/2015.

 2ª oficina, realizada no auditório da UNIT, em 14/10/2015.

3ª oficina, realizada no auditório da antiga sede da OAB/AL, em 15/10/2015.

Uma quarta oficina, com objetivo de apresentar e discutir as contribuições entre todos os segmentos, ficou agendada para o dia 07/11/2015 (em local e horário a ser confirmado) e a segunda Audiência Pública, para ser apresentada uma versão preliminar do Caderno Técnico, ficou agendada para o dia 14/11/2015 (também sem horário e local ainda definidos).
  

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Veja também:
  
  

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Em 2025 os habitantes de Helsinki não terão mais razões para possuir um carro


Oferecer um sistema de transporte público confiável e eficiente é a estratégia de muitas cidades para desestimular o uso dos automóveis particulares e, assim, evitar os danos ambientais e urbanos causados por estes.

Uma destas cidades é Hamburgo, que em novembro de 2013 lançou o Green Network, um plano para eliminar o uso do automóvel nos próximos 20 anos, contando, para isso, com a conexão de todas as áreas verdes da cidade, acessíveis a pé ou de bicicleta.

Há alguns dias, Helsinki anunciou um ambicioso plano que visa integrar vários meios de transporte ao seu atual sistema público que, em teoria, funcionaria tão bem que os cidadãos não teriam mais razões para possuir um carro.

Saiba mais sobre este plano que pretende, até 2025, desestimular o transporte individual motorizado da capital finlandesa.

“O carro já não é um símbolo de status para os jovens”


A engenheira de transporte do Departamento de Planejamento de Helsinki, Sonja Heikkilä, conta que o plano não tem como objetivo proibir os automóveis, mas proporcionar outras opções de mobilidade sustentável, assim, as pessoas que já possuem um carro não precisarão utilizá-lo para os deslocamentos que podem ser feitos através do transporte público.

Desta forma, o que se pretende é alterar o paradigma de como nos movemos dentro da cidade que, como diz a engenheira, é um tema que leva tempo para ser digerido, sobretudo para as pessoas mais velhas que não querem renunciar aos seus carros. Contudo, esta é uma meta possível, pois a maioria das pessoas está interessada em cuidar do meio ambiente e economizar dinheiro.

Este último motivo é um dos que melhor representa os jovens, que são mais flexíveis em suas exigências. É por isto que para esta faixa da população o carro já não é um símbolo de status como fora para seus pais, segundo constata 'Heikkilä para o Helseinki Times, a partir dos resultados de uma pesquisa feita como parte de sua dissertação de mestrado.

Nesse sentido, o plano poderia se sustentar nos próximos anos, já que, se agora os mais jovens não necessitam de um carro, este paradigma deve ser mantido nos próximos 10 anos, se acompanhado de um sistema de transporte público eficiente.

A essência do plano: Sistema de Transporte Intermodal


O projeto de Helsinki se baseia na ideia de que o sistema de transporte público deve ser on demand, ou seja, de acordo com a demanda individual de cada cidadão.

Assim, quando uma pessoa precisar se deslocar, poderá planejar sua viagem através de um aplicativo para smartphones onde estarão indicados os horários e linhas de transporte, além de outros dados como a origem, o destino e se preferem usar ônibus, bicicletas, taxis ou bondes. Além disso, essas informações deverão ser combinadas e compartilhadas com as de outros usuários.

As taxas para utilizar esse sistema integrado serão pagas através de uma plataforma “universal”, independente do meio escolhido. Para isto, estão sendo estudadas duas formas de pagamento. Uma na qual os cidadãos pagam o serviço em função dos quilômetros percorridos, e outra em que se pode “comprar” quilômetros mensais.

Dentro deste plano também se considera o Kutsuplus, um sistema de micro-ônibus que transporta os cidadãos de acordo com o itinerário elaborado pelos pedidos de quem está mais próximo. Este plano, elaborado pela Autoridade de Transporte Regional de Helsinki (HSL), é mais caro que andar de ônibus, porém mais barato que pedir um taxi e evita que haja mais carros nas ruas transportando poucos passageiros.

É possível?


Atualmente, o transporte público de Helsinki é operado unicamente pela Autoridade de Transporte Regional. Contudo, Heikkilä acredita que se forem incluídos outros operadores, o plano poderá funcionar melhor até 2025.

Por enquanto está previsto que o plano comece a funcionar no final deste ano, ainda em fase de testes, em Valilla, um bairro central da capital finlandesa. Após ser posto em prática, ele deverá passar por alterações e, posteriormente, ser implementado em outras áreas de Helsinki.

Fonte: Archdaily
    
   

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Cuidado com o canto da sereia!

O ciclista que não tira os olhos da sereia.

por Cicloação Recife

De vez em quando a indústria automobilística parece estender uma mão para o resto do mundo. Uma bondade sem tamanho, dá gosto de ver. Mas muito cuidado com o que se vê! Truques mirabolantes do mundo capitalista - conhecido também como publicidade - estão aí para te seduzir. A FIAT lançou esta semana a campanha do Novo Punto. E o personagem principal do anúncio é...??? O Novo Punto, claro.
   
Nunca se viu tanto no país a bicicleta na mídia como opção de mobilidade. O ciclista é constantemente colocado como desrespeitador das leis, como alguém que se arrisca, um aventureiro, um outsider, um hipster. O ataque é constante. Dificilmente vemos o ciclista em reportagens como alguém que fez uma escolha melhor para a cidade, que deve ser valorizado, incluído no trânsito. Ele é posto apenas como uma opção. Com a indústria automobilística - que não quer largar o o$$o -, não é diferente. Além do óbvio de em todas as propagandas de carros, pordemos ver um motorista feliz circulando por uma cidade sem nenhum engarrafamento, ou até mesmo sem nenhum outro carro no seu caminho, dificilmente encontramos bicicletas rodando nesses comerciais. A própria FIAT tem no seu histórico exemplos nada amigáveis com os ciclistas, bem antes desse anúncio  no melhor estilo o-ciclista-quer-ter-um-FIAT. Veja que caminho ela já tomou em um anúncio do dos anos 80/90.


Pra completar, mais recentemente, em 2014, a polêmica campanha dos vacilões no trânsito, que coloca pedestre, ciclista, motorista, todos como vacilões, quando na verdade o grande vacilo é da montadora, em enquadrar crimes de trânsito, as infrações cometidas por quem dirige automóveis de 1 tonelada ou mais na cidade, como vacilos, no mesmo patamar dos vacilos de ciclista e pedestre. Ainda estamos longe do patamar dos países onde os números de mortes no trânsito - que é o que realmente interessa! -, são até 20x menores que no Brasil. O principal motivo disso é o atraso do executivo e do judiciário em se adaptarem e aplicarem o CTB do modo correto, do modo mais funcional para este ambiente tão plural que é o trânsito. Temos pessoas andando a 6km/h, ciclistas a 20km/h, carros a 40, 60, 80km/h no ambiente urbano. Enormes e pesados ônibus também em altas velocidades. A única forma disso se traduzir em um sistema funcional é a aplicação integral do princípio "o maior protege o menor". Voltando à nossa amada Fiat... Veja a campanha do vacilão para o pedestre, esse cara que corresponde historicamente a entre 20% e 30% das mortes no trânsito e tem semáforos de 7 minutos no seu caminho. Esse cara atravessa fora da faixa, ou com o semáforo fechado, e é chamado de vacilão. Os motoristas em sua maioria mal percebem o Pereira esperando E-TER-NA-MEN-TE para atravessar na faixa, ou muitas vezes num cruzamento sem faixa. Mas ele é vacilão, isso é o que importa, segundo a FIAT.
 
Esses três videos são estratégias diferentes claras, e contam um pouco da história da relação da indústria automobilística com a bicicleta. Primeiro, a ridicularização (o video do motorista que dá ré para o ciclista cair, final do século XX), depois a estratégia do todos somos iguais no trânsito, repetida como uma mantra por todos os cantos das redes sociais, debates, discussões, campanhas governamentais. Essa fase, como já dissemos, foi radicalmente superada nos países mais avançados em humanização do trânsito. E agora entramos na terceira fase - pelo menos na FIAT -, onde se busca uma motorização dos consumidores, mesmo que não utilizem o carro. "Um carro inovador, pra quem tem muita personalidade". A personalidade, de acordo com o anúncio, é andar de bicicleta e ter um carro na garagem. No final do video, uma alisada no capô, demonstrando o velho carinho de sempre pelo automóvel. Esse anúncio é o canto da sereia. Não há dúvida! A intenção da montadora é trazer você de volta para o automóvel, custe o que custar, mesmo que isso te custe a perda de toda a liberdade financeira que a bicicleta te proporcionou. Pode parecer para muitos um sinal de paz, da possibilidade de convivência entre os dois modais na vida de um mesmo consumidor, mas essa realidade é bem difícil de se implementar em países onde a distribuição de renda é baixa e a mobilidade segue um modelo rodoviarista, excludente, de meritocracia no trânsito no melhor estilo "eu melhorei de vida pra ter meu carro, mereci isso". O Brasil tinha em 2011 uma taxa de motorização de 249 automóveis por 1000 habitantes. Nos Estados Unidos, são 809. Na Holanda, 528! Pode parecer que temos muito o que avançar em motorização, mas há uma grande diferença entre nós e a Holanda, como exemplo mais extremo. Como num país repleto de bicicletas as pessoas têm mais do dobro de carros que nós? Lá praticamente não há engarrafamentos e a taxa de morte no trânsito de Amsterdam é de 1,5/100.000 habitantes, enquanto no Recife esse número é mais de 20 vezes maior, e o engarrafamento....... A resposta é justamente  a operacionalização de um trânsito onde o motorista tem muita responsabilidade, pouco espaço, e muito controle (lê-se fiscalização, ou o que muitos chamam de indústria de multas, o que é uma grande piada). Encher o brasileiro de carros sem uma gestão decente de trânsito é o que temos de realidade hoje: mortes, engarrafamento, perda de tempo e de saúde. Difícil imaginar com o dobro de automóveis nas ruas!

Normalmente as pessoas de renda familiar média ou baixa por aqui gastam pelo menos 20% do seu orçamento mensal para manter um carro na garagem. O custo estimado é de pelo menos R$1100,00 por mês, incluindo tudo que você sempre esquece quando abastece o tanque. Este consumidor, que investe tanto da sua renda num automóvel, não vai abrir mão de utilizá-lo em terra onde o seu uso é estimulado, exageradamente associado a status, e onde o espaço é muito. Se não é o bastante, é porque a implantação de rodovias nunca vai ter dinheiro e espaço suficiente para acompanhar o aumento da frota. Não adianta buscar exemplos fora da curva de pessoas com carro e que pedalam ao trabalho, eles existem principalmente na classe média alta, mas o cenário do país está aí: no Recife, volta às aulas, 250 mil carros a mais circulam diariamente nas ruas, independente de custo, tempo, estresse, ou qualquer outro fator. E as garagens dos prédios lotadas de bicicletas, mal cabendo nas garagens e bicicletários. Sem praticamente nenhuma estrutura cicloviária nem políticas urbanas de desestímulo ao automóvel, ninguém (ou quase ninguém) que gaste mais de mil reais por mês num automóvel vai se enveredar no uso da bicicleta. A cereja do bolo é imaginar se a FIAT sabe disso, se não está nem aí e quer simplesmente atrair de volta o ciclista para dentro do automóvel a qualquer custo.

Apesar de o cenário ainda ser bastante favorável ao automóvel, parecemos estar num ponto de mudança de direção, não só em terras tupiniquins, mas em países que resistiram por anos às vantagens da bicicleta. A FIAT está certa em se preocupar. Em casa, na Itália, se vendeu mais bicicletas que carros em 2012, depois de 48 anos. O movimento não tem volta e a realidade, a qualidade e quantidade de informações estão a favor da bicicleta, as pessoas só precisam se acostumar com a ideia. O avanço é inevitável, e o ciclista que enfrenta o trânsito selvagem de cidades mal preparadas está mais para um vanguardista do que um outsider, seja o classe média que se jogou na rua de saco cheio do trânsito, ou o porteiro que muito antes dos ciclistas de classe média sempre foi de bicicleta ao trabalho pra economizar a passagem do ônibus, sempre invisível para o resto do trânsito. O ciclista não quer ser herói nem ser chamado de senhor certinho ou paladino da justiça, mas deseja segurança e conforto pra chegar no seu destino, e está se acostumando a lutar por isso. Não tem canto da sereia que mude esse cenário!
    
Mais sobre as estratégias da indústria automobilística? Aqui.
   
    

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Como a indústria automobilística criminalizou os pedestres que atravessam fora da faixa

   
Há 100 anos, se você fosse um pedestre, atravessar a rua era simples: bastava cruzá-la em qualquer ponto.

Hoje, se há tráfego na área e você pretende seguir a lei, é necessário encontrar uma faixa de pedestres. E se há um semáforo, você precisa esperar ele fechar para os automóveis.

Deixe de fazê-lo, e você estará cometendo uma infração de trânsito. Em algumas cidades – Los Angeles, por exemplo – dezenas de milhares de multas são aplicadas a pedestres que atravessam fora da faixa.

Para a maioria das pessoas, isso parece parte da natureza básica das ruas. Mas na verdade é o resultado de uma agressiva campanha liderada pela indústria automobilística que redefiniram os donos das ruas das cidades nos anos 1920.

“Nos primeiros dias do automóvel, era trabalho dos motoristas evitar os pedestres, e não o contrário”, diz Peter Norton, historiador da Universidade de Virginia e autor de Fighting Traffic: The Dawn of the Motor Age in the American City. “Mas sob o novo modelo, as ruas se tornaram um lugar para carros – e como um pedestre, a culpa é sua caso seja atropelado.”

Uma das chaves para essa mudança foi a criação do crime de “jaywalking” (atravessar a rua fora da faixa). Aqui está uma história de como isso aconteceu.

Quando ruas da cidade eram um espaço público


É difícil de imaginar, mas antes da década de 1920, as ruas das cidades eram muito diferentes do que são hoje. Elas eram consideradas espaços públicos: um lugar para os pedestres, vendedores de carrocinha, veículos puxados por cavalos, bondes e crianças a brincar.

“Os pedestres andavam nas ruas em qualquer lugar que quisessem, quando quisessem, geralmente sem olhar”, diz Norton. Durante a década de 1910, havia poucas faixas de pedestres pintadas na rua, e elas geralmente eram ignoradas.

Quando os carros começaram a se espalhar amplamente durante os anos 1920, a consequência disso era previsível: a morte. Durante as primeiras décadas do século, o número de pessoas mortas por carros dispararam.


Os mortos eram principalmente pedestres –  não motoristas – e majoritariamente idosos e crianças, que antes tinham as ruas livres para passear e brincar.

A resposta do público a essas mortes foi, é claro, negativa. Veículos eram muitas vezes vistos como brinquedos, semelhante à maneira como pensamos em iates hoje (muitas vezes eles foram chamados de “carros de prazer”). E nas ruas, eles foram considerados intrusos violentos.

Cidades ergueram monumentos para as crianças mortas em acidentes de trânsito e jornais cobriram as mortes no trânsito em detalhes, geralmente culpando os motoristas. Cartunistas demonizavam os carros, muitas vezes associando-os com “a morte”.


Antes das leis formais de tráfego serem colocadas em prática, os juízes normalmente decidiam que em qualquer colisão, o veículo maior – ou seja, o carro – era o culpado. Motoristas foram acusados de homicídio culposo, independentemente das circunstâncias do acidente.
  
Como os carros tomaram as ruas


Com o elevado número de mortes, ativistas anticarro se mobilizaram para diminuir a velocidade dos automóveis. Em 1920, a Illustrated World publicou: “todos os carros deveriam ser equipados com um dispositivo que limitaria a velocidade de acordo com as regras da cidade onde o proprietário vive.”

A virada veio em 1923, diz Norton, quando 42.000 residentes de Cincinnati assinaram uma petição que exigia que todos os carros tivessem um dispositivo que limitasse-os a 25 quilômetros por hora. As concessionárias locais ficaram aterrorizadas e entraram em ação enviando cartas para cada proprietário de carro na cidade para que votassem contra a medida.


A medida falhou. Alertando grupos automobilísticos por todo o país para o risco de diminuição do potencial de vendas de automóveis.

Em resposta, as montadoras, distribuidores e grupos de entusiastas trabalharam para redefinir legalmente a rua – para que os pedestres, em vez dos carros, tivessem a circulação restringida.

A ideia de que os pedestres não deveriam ser autorizados a caminhar por onde quisessem já havia sido pensada em 1912, quando a cidade de Kansas publicou a primeira portaria obrigando-os a atravessar ruas na faixa de pedestres. Mas, foi em meados dos anos vinte, que a indústria automobilística assumiu a campanha com vigor, conseguindo a aprovação das mesmas leis por outras cidades do país.

As montadoras assumiram o controle de uma série de reuniões convocadas por Herbert Hoover (então secretário de Comércio) para criar uma lei de trânsito modelo que poderia ser usada por várias cidades do país. Devido à sua influência, o produto dessas reuniões – Modelo municipal de trânsito de 1928 – foi amplamente baseado nas leis de trânsito de Los Angeles, que havia decretado rígidos controles para pedestres em 1925.

“O mais importante sobre este modelo, foi dizer que os pedestres cruzariam apenas em faixas de pedestres, e apenas em ângulos retos”, diz Norton. “Essencialmente, esta é a lei de trânsito que ainda estamos vivendo hoje.”

A vergonha do “Jaywalking” (atravessar a rua em qualquer lugar)


Mesmo após a aprovação dessas leis, os grupos da indústria do automóvel ainda enfrentavam um problema: na cidade de Kansas e em outros lugares, ninguém estava seguindo as regras. As leis raramente eram aplicadas pela polícia ou juízes. Para resolver esta questão, a indústria assumiu várias estratégias.

Uma delas foi a tentativa de moldar a cobertura de notícias de acidentes de carro. A Câmara Nacional de Comércio de Automóvel, um grupo da indústria, criou uma agência de notícias livre para os jornais: repórteres poderiam enviar os detalhes básicos de um acidente de trânsito, e obteriam em troca um artigo completo para imprimir no dia seguinte. Estes artigos, impressos amplamente, colocavam a culpa pelos acidentes nos pedestres – sinalizando que seguir as novas leis era importante.

Da mesma forma, a Associação Americana de Automóveis (AAA) começou a patrocinar campanhas de segurança escolar e concursos de cartazes, criados em torno da importância de ficar fora das ruas. Algumas das campanhas também ridicularizavam crianças que não seguiam as regras. Em 1925, por exemplo, centenas de crianças em idade escolar de Detroit assistiram o “julgamento” de uma criança de doze anos de idade, que tinha atravessado a rua sem segurança, e foi condenada a limpar quadros-negros por uma semana.


“Auto ativistas” pressionaram a polícia a fazer com que os transgressores fossem ridicularizados através de assobios e gritos – e até mesmo levando as mulheres de volta para a calçada – em vez de calmamente repreender ou multar. Eles realizaram campanhas de segurança no qual atores vestidos com trajes do século 19, ou como palhaços, foram contratados para atravessar a rua de forma ilegal, o que significa que a prática estava ultrapassado e era tola. Em uma campanha realizada em 1924 em Nova Iorque, um palhaço marchou na frente de um Modelo T que o atingia repetidamente.

Esta estratégia também explica o nome que foi dado para o ato de cruzar ilegalmente a rua a pé: “jaywalking”. Naquela época, a palavra “jay” significava algo como “caipira” – uma pessoa que não sabia como se comportar em uma cidade. Assim, os grupos pró-auto promoveram o uso da palavra “jay walker” como alguém que não sabia como andar em uma cidade, ameaçando a segurança pública.

“A campanha foi extremamente bem sucedida”, diz Norton. “Ela mudou totalmente a mensagem sobre para que as ruas servem.”

Fonte: Vox
Traduzido por: O Ciclista Capixaba